"CRIMINOLOGIA POR OUTRO ÂNGULO" - ALAN FABIANO. Parte I
Uma visão criminológica sob um prisma completamente diferente! Nosso convidado é o Professor Alan Fabiano Caetano de Souza, autor do livro “Criminologia Por Outro Ângulo”. Uma obra que lança luzes sobre os aspectos da criminalidade brasileira, na qual ele traz para o debate acadêmico elementos da Física, Neurociência, Antropologia, Psicologia, Filosofia, Sociologia e Direito, visando a compreensão dos desafios da segurança pública e dos crimes violentos contra o patrimônio, revelando, ainda, reflexões sobre o crime, a vítima e a sociedade como um todo. Esta é a primeira parte de nossa conversa!
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Transcript
ANFITRIÃO:
HONORÁVEIS OUVINTES! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros. No conteúdo de hoje, os convido a conhecer um universo fascinante e desafiador: uma visão criminológica sob um prisma completamente diferente! Nosso convidado é o professor Alan Fabiano Caetano de Souza, autor do livro “Criminologia Por Outro Ângulo”. Uma obra que lança luz sobre os aspectos mais complexos e singulares da criminalidade brasileira, na qual ele traz para o debate acadêmico elementos da Física, Neurociência, Antropologia, Psicologia, Filosofia, Sociologia e Direito, visando a compreensão dos desafios da segurança pública e dos crimes violentos contra o patrimônio, revelando, ainda, reflexões sobre o crime, a vítima e a sociedade como um todo. Esta é a primeira parte de nossa conversa:
ANFITRIÃO:
Professor Alan, expressando o meu agradecimento pela sua colaboração e disponibilidade em participar deste programa, peço que conte pouco um sobre sua jornada profissional e como surgiu a inspiração para escrever “Criminologia por outro Ângulo?
Boa noite, Dr Washington! Muito obrigado pela oportunidade de estar participando do seu podcast, o Hextramuros! Eu tive a oportunidade de assistir a entrevista com o Dr. Rubens, e achei muito interessante o tema abordado ali! A questão sobre as mentes criminosas e os serial killers engrandeceu demais meus conhecimentos! Então, quero agradecer pela oportunidade de estar participando de podcast tão relevante para a comunidade científica e, também, para o campo da criminologia. Também, agradecer aos ouvintes que estão nos escutando neste momento. Espero poder contribuir com vocês a respeito do tema de Criminologia, das disciplinas do Binômio do Crime, da Teia dos Significados, do Efeito halo e outras teorias mais. Sobre a questão da minha jornada, eu sou policial militar. Atuo em Minas Gerais. Sou pesquisador de segurança pública. Faço parte do Grupo Alpha Bravo Brasil, que é grupo conhecido no país por desenvolver pesquisas no campo das ciências policiais. O livro “criminologia por outro ângulo” é o meu quarto livro. Eu já escrevi outros. O primeiro deles foi o “Alpha Bravo Brasil”. Depois, veio o “Compêndio Interdisciplinar de Estudos Jurídicos Orientados”. Depois veio outro livro, que é sobre a análise do cinto segurança em viatura - a análise dos riscos e dos benefícios do uso do cinto – e, agora, o “criminologia por outro ângulo” veio para poder trazer à sociedade e ao campo acadêmico uma nova abordagem sobre a criminologia. o livro “criminologia por outro ângulo” é inspirado uma experiência pessoal minha, com um irmão meu que se enveredou no mundo do crime e, eu, não era policial à época, me perguntava o porquê que o meu irmão ficava em liberdade depois de tantas vezes ser preso em flagrante! Isso era uma pergunta que não era respondida na época e, depois, eu me tornei policial, o conhecimento científico que eu adquiri na academia não trazia as respostas sobre a experiência empírica que eu vivia! Porque, eu e meu irmão, nós vivíamos no mesmo lar, nós tínhamos o mesmo poder econômico, nós estudamos na mesma escola e as nossas amizades eram as mesmas, porém, a criminologia, até então, dizia que o homem é produto do meio, mais especificamente, a criminologia marxista, trazia essa ideia de que o homem é produto do meio. E aí você vê tantas outras teorias que subsidiam esse conhecimento, por exemplo: o conceito de “bolsões de pobreza”, temos também o “Labeling Approach”, a Teoria do Perfilamento Racial Estrutural... então, seja, todas essas teorias embasadas na ideia de que o homem é produto do meio, elas não satisfaziam as minhas perguntas, porque eu via na minha experiência familiar de que duas pessoas distintas, eu e meu irmão, trilhamos caminhos totalmente diferentes, mesmo tendo o meio em comum! Ou seja: o nosso meio era o mesmo! Não havia nada de diferente! Mas, ele trilhou um caminho e, eu, acabei trilhando outro. Me tornei policial para tentar prendê-lo. E acabou que, no ano de dois mil e dezessete, eu e mais alguns policiais do batalhão onde eu trabalhei -onde eu ainda trabalho-, nós conseguimos fazer a prisão do meu irmão e ele veio a ser condenado em Minas Gerais por 33 anos de reclusão por ter praticado os crimes de homicídio, tráfico e roubo. Essa experiência foi o meu estopim para tentar entender a criminologia e, como não havia paradigmas atuais existentes capazes de satisfazer as minhas perguntas, me tornei, então, pesquisador e a tentar responder a essas indagações através das minhas pesquisas e isso resultou no livro “Criminologia por outro Ângulo”.
ANFITRIÃO:
Qual a importância de adotar uma abordagem multidisciplinar na criminologia e como a Teoria do Binômio do Crime se diferencia das abordagens tradicionais desta disciplina?
Essa questão da abordagem multidisciplinar, quando se trata de Ciência, quando se trata de entender fenômenos da natureza, fenômenos sociais, qualquer tipo de fenômeno, é importante que todo pesquisador esteja disposto a enxergar aquele fenômeno sob todos os pontos de vista possíveis! O pesquisador que é apaixonado por apenas um ponto de vista já está fazendo com que a sua abordagem, sua análise, seja parcial! Então, obedecendo aquela lógica aristotélica da metodologia científica, a análise científica e a investigação fenomenológica ela tem que ser objetiva, ela tem que ser neutra, mas, também, multidisciplinar! Nós temos o chileno Max-Neef, que falava sobre abordagens transdisciplinares; temos o professor Cândido da Agra, de Portugal, que também fala sobre a necessidade de uma abordagem que contemple os elementos da epistemologia na análise criminológica e o próprio Cândido da Agra diz que, hoje, isso é praticamente raro no campo da ciência, pouquíssimos pesquisadores fazem essa análise e eu acabei recebendo desses autores, desses catedráticos, essa doutrina, esse ensinamento de que a minha pesquisa não deveria ser uma pesquisa monocular. Era necessário encampar diversos pontos de vista. A experiência empírica que eu vivi na minha vida familiar fez com que eu tentasse entender determinadas circunstâncias da vida delitiva e como a maioria dos estudos eles obedecem uma metodologia sociológica e essa metodologia não explicava o que eu vivi, o que eu assisti com os meus próprios olhos, então eu passei a investir o meu tempo em conhecimento no campo da psicologia; no campo da neurociência; da própria física, através das Teorias de Redes e Sistemas Complexos; no campo da Antropologia; me aprofundei, bastante, na Teoria das Culturas, principalmente, na Teia de Significados. Também, me enveredei pela própria Filosofia, aonde, hoje, eu coloco, na primeira parte do livro, que todas as dúvidas no campo da Criminologia, todas as questões que alguém faz ao analisar esse fenômeno, essas questões têm origem num conflito epistemológico que é entre o método racionalista e o método empirista! Porque, quando você vai tentar entender um fenômeno sobre o método racionalista, você tem a razão como fonte do conhecimento! Quando você faz pelo método empírico, através do método indutivo, a fonte do conhecimento é a experiência. A fonte do conhecimento é os dados sensíveis que se podem extrair daquele fenômeno em si. E o problema das teorias sociológicas, até então, é que elas só obedeciam ou o método X ou o método Y! Não havia uma busca por tentar aplicar ambos os métodos na investigação criminológica. Então, o nosso livro “criminologia por outro ângulo” veio com esse objetivo de tentar trazer, de maneira equilibrada, os dois métodos e, não só, com esses dois métodos mas, também, outros existentes, porque a Ciência é muito ampla! Ela é vasta! Então é importantíssimo esse olhar, essa abordagem multidisciplinar e ela enriquece a criminologia! Ela faz com que a gente enxergue os fenômenos criminais e possa depreender conceitos que não existiam anteriormente. Um desses conceitos que nós depreendemos é a ideia do Binômio do Crime, que é divergente do Triângulo do Crime, que é a teoria tradicional! Para o Triângulo do Crime, para um delito acontecer num local específico, é necessário ter um infrator motivado, um alvo disponível e falta de vigilância. Para a teoria do triângulo do crime, para a teoria das atividades rotineiras, se existir vigilância naquele ambiente, o crime não vai acontecer. É aonde surge a ideia de prevenção. E no Binômio do Crime, a questão da vigilância ela sai como elemento precípuo, como elemento essencial e fica, só, o infrator motivado e o alvo disponível! A presença de vigilância é mero elemento no cálculo do custo e do benefício do infrator. Então, ou seja, ele vai avaliar se aquela ostensividade policial ou se aquela vigilância patrimonial vai corresponder a um ônus maior do que o bônus, se ele praticar aquele ato delitivo. Se o ônus for maior, ele vai se desestimular, mas se o ônus for menor do que o benefício, então, ele vai praticar aquele ato de acordo com o cálculo que ele realiza. Então, nós chamamos isso de Binômio do Crime. E, não só, essa análise é feita! No livro, a gente explica que existem outros elementos que influem no processo mental desse infrator, mas, resumidamente, o Binômio do Crime se diferencia do Triângulo do Crime em virtude deste aspecto: que a presença de vigilância não é considerada. Na análise do espaço-tempo, só existem dois elementos que são necessários para o delito: infrator motivado e alvo disponível!
ANFITRIÃO:
Professor, em que proporção a vigilância pode influenciar na prevenção dos crimes e de que forma entendes o papel das instituições sociais para a redução da criminalidade?
A respeito dessa questão da proporção da vigilância em poder influenciar ou não a prevenção de crimes, a Teoria do Triângulo do Crime trabalha com o conceito de prevenção do crime. Prevenção significa prevenir, significa evitar, significa impedir, significa, até mesmo, se antecipar ou prever uma atividade delitiva nos atos preparatórios e impedir com que aquilo se consuma. Isso no meu ver, é um conceito equivocado! No Binômio do Crime, que é a teoria que nós desenvolvemos, nós trabalhamos não com a ideia de prevenção, mas, com a ideia de controle do crime! O controle do crime, o seu significado remete a outras questões, totalmente diferentes! Ele fala sobre regular a incidência criminal, diminuir essa incidência criminal, reduzir! Ele trata de mitigar as ações delitivas e, essas ações, elas são feitas não pela mera presença policial ou pela mera ostensividade, mas, é uma instrumentação de ações conjuntas entre a ostensividade e o serviço de inteligência, de maneira que o policiamento ostensivo ou a vigilância patrimonial ostensiva ela é feita com base em informações preexistentes, levantadas através de um sistema de inteligência, de maneira a subsidiar esta ostensividade, onde o agente vai ter um direcionamento específico para produzir policiamento ou uma vigilância mais eficaz de maneira a impedir, no itercriminis, com que o crime seja executado e consumado! Pode haver, às vezes, o planejamento e os atos preparatórios, só que o aspecto da vigilância - o aspecto do policiamento ostensivo - tem que ser focado no sentido de controlar o itercriminis, de maneira a impedir a execução e a consumação. Então, é uma ferramenta de controle e não uma ferramenta de prevenção! Essa abordagem é totalmente diferente e ela exige uma mudança jurídica para essas questões. Nós temos na Constituição Federal; cabe às polícias militares o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Na Constituição, o termo preservação já contempla esse aspecto do controle. Então, ou seja, você vai preservar, você vai tentar realizar estratégias, produzir mecanismos de maneira a manter essa ordem. E essa ordem, ela admite certo grau de incidência criminal, mas, esse certo grau, ele não pode ser abusivo, ele não pode ser em demasia! No Brasil, infelizmente, nós temos isso em demasia! Nós somos um dos países mais violentos do mundo! Então, nós não temos essa ordem pública muito bem definida. Mas, através dos mecanismos de controle, isso pode ser feito de maneira eficaz, com eficiência. E isso é necessário: uma mudança no ordenamento jurídico, mais especificamente, não na Constituição, mas, nas leis ordinárias e, também, nas constituições estaduais, que é onde aparece o aspecto de prevenção criminal! Vou te dar exemplo: no artigo 142 da Constituição estadual mineira, ela fala que cabe à Polícia Militar o policiamento ostensivo para a prevenção de crimes. Então, ali já existe uma atribuição de prevenção e nós sugerimos essa mudança da Constituição para policiamento ostensivo e preservação da ordem pública, igual está na Constituição Federal, porque aí já contempla as medidas de controle que a polícia pode exercer para poder mitigar, para poder regular, reduzir a criminalidade. Quando fala em prevenção a gente acaba colocando nas costas do policial uma responsabilidade que não é dele! É uma responsabilidade que ele não é capaz de gerir, de produzir. Então, quando mudamos essa ideia para controle, isso se torna mais tangível, isso se torna mais palpável e é uma das sugestões do “Criminologia por outro Ângulo”.
ANFITRIÃO:
Quais são os principais pontos de divergência entre as teorias criminológicas atuais abordadas em sua pesquisa?
O livro “Criminologia por outro Ângulo” traz esses aspectos multidisciplinares e ele foca em questões relativas a crimes praticados na presença policial - esse foco você não vê em nenhum outro estudo ou abordagem de pesquisa no Brasil ou fora do país! Nós vamos encontrar, apenas, o Doutor David Bailey trazendo em seus livros -ele fez em torno de seis ou sete livros sobre policiamento e, num deles, ele traz apenas um parágrafo em que ele cita que o policiamento não é capaz de evitar o crime, não é capaz de prevenir o crime! Então, ou seja, existe alguém que pensou isso! Que chegou a colocar isso em uma obra, mas, não se aprofundou. O livro “criminologia por outro ângulo” veio trazer esse aprofundamento. Mas, nós não focamos apenas nisso! O livro traz também uma abordagem sobre como se processa a mente criminosa. E, aí, nós temos diversas teorias que foram abordadas para poder definir como acontece o processo volitivo do infrator. Existe também uma abordagem filosófica do livro que fala dos métodos dedutivos e dos métodos indutivos na análise criminal, e isso é muito pouco abordado na maioria das obras criminológicas! O nosso livro se diferencia dessas abordagens porque ele traz esse aspecto omisso por outras obras. Então, quem adquire essa obra está com material robusto, com material profundo! Também, trazemos a abordagem fenomenológica sobre o crime de domínio de cidades que, atualmente, só tratam desse tipo de fenômeno criminal os livros “Alpha Bravo Brasil”, o série “Guerra”, o “Mamba Negra”, do Eduardo Betini e mais outra obra que eu não estou me lembrando agora, me recordando. E nessa análise, nós trazemos explicações a respeito, por exemplo, da diferença entre organização criminosa e articulação criminosa. A organização criminosa pressupõe vínculos estáveis, vínculos permanentes, hierarquia vertical, definição de funções, definição de atuação entre os membros. Já, na articulação criminal, que é uma estrutura de grupamento criminal distinta da organização criminal, a articulação, os vínculos, não são estáveis. Eles não são permanentes! Há uma divisão de tarefas, mas ela pode ser suprida com a substituição imediata de seus membros. Então, não há necessidade da permanência daquele indivíduo dentro do grupo. Ele pode ser removido facilmente. Não há, também, a questão daquele núcleo mental, aquela mentoria nuclear do grupamento criminoso. Geralmente, o planejamento, a estrutura de mentoria da ação criminal, é feita por alguns indivíduos, mas, de maneira compartilhada e ela, não necessariamente, faz com que aquele indivíduo que raciocinou sobre aquele crime seja o líder. A função dele é, só, desenvolver o planejamento e, não necessariamente, corresponder a um cargo de chefia, a uma posição de chefia ou algo do tipo. Então, essas questões fazem com que o livro “criminologia por um outro ângulo” seja bem diferente, seja bem divergente das abordagens criminológicas e científicas existentes hoje no campo acadêmico.
Como a filosofia pode ajudar a elucidar questões éticas relacionadas ao estudo do crime e quais são as possíveis implicações éticas da aplicação das descobertas da Criminologia na sociedade?
O que eu tento explicar para todo mundo é que a gente tem que quebrar aquele preconceito de que filosofia não produz para o campo empírico nada que fosse palpável, nada que fosse tangível! Geralmente, a maioria dos policiais que eu conheço, todos eles entendem que o método filosófico seria apenas para poder refletir sobre as coisas, mas não trariam nenhum valor ou um resultado prático em si. E eu digo a todos eles que isso não é verdade! A filosofia tem métodos de trabalho que dizem e produzem grandes resultados práticos! Eu cito, por exemplo, a atuação do policial, geralmente, quando na rua, ele vê alguém cometendo assalto e ele se depara com esse assalto e fala: “poxa! O “cara” cometeu o crime perto de mim aqui! Será que ele não viu minha viatura? Será que ele não viu que eu estava próximo dele? Será que ele não enxergou, não? E, aí, ele se depara com aquela situação; ele age, ele prende o infrator, ele age com energia, utiliza os métodos e as técnicas que ele aprendeu durante a sua preparação como policial, “pega” aquele infrator, prende ele, leva para justiça e a justiça dá início à persecução criminal como um todo e isso faz com que esse policial da rua, ele tenha um pensamento específico sobre aquela situação. Já, o gestor desse policial, que não assistiu esse evento criminal acontecer de maneira empírica, mas, que tomou conhecimento do fato apenas por um Boletim de Ocorrência, às vezes por relatório que chegou em sua mão, ele vai depreender sobre esse evento criminal de maneira distinta do policial que estava na rua. Então, ou seja, a lógica e a conclusão realizada pelo gestor vai ser diferenciada daquele que presencio! E, isso, tem a ver com filosofia, porque o gestor vai concluir e inferir utilizando o método dedutivo! Já o policial da rua que atuou, que registrou BO, ele vai produzir a sua conclusão utilizando o método indutivo. E isso é filosofia! Nós temos isso no ramo da epistemologia. Então, ou seja, a filosofia é, sim, um ramo importante da ciência que pode nos ajudar a entender os fenômenos criminais! Por isso que eu falo com todas as pessoas: “olha, se você, hoje, tem uma dúvida, uma indagação sobre um fenômeno criminal e, às vezes, você olha uma teoria que eles dizem ser paradigma ideal, mas, para você não é, você entende que aquele fenômeno não está sendo explicado, não existe nada que explique esse fenômeno; você está realizando um raciocínio que vai te levar naturalmente à busca por explicações. E, essa busca, você ou vai utilizar o método dedutivo ou vai utilizar o método empírico. Não tem como fugir disso! E esses dois campos metodológicos, durante toda a história humana, eles foram utilizados de maneira isolada. Nós tivemos obviamente alguns grandes intelectuais, alguns grandes pensadores que tentaram fazer ponto de equilíbrio entre esses dois métodos. Vamos citar aqui um dos mais conhecidos, que é o Emanuel Kant, por exemplo. Ele tentou, através da Técnica do Apriorismo, fazer uma junção entre esses dois métodos, mas, ainda assim, no livro “criminologia por outro ângulo”, definimos que Emanuel Kant, ainda assim, era Racionalista, porque, apesar de usar dados relativos às experiências sensíveis ao campo do empirismo, ao método indutivo, ele, ainda assim, concluía através de uma ponderação racionalista, de uma ponderação dedutiva, ou seja, da técnica dedutiva. Então, ao longo da história humana, os pressupostos que foram desenvolvidos para explicar o crime, ou eles encampavam o campo dedutivo ou encampavam o campo indutivo, o empirismo. E, infelizmente, o campo dedutivo se tornou majoritário! No campo empírico, nós tivemos Lombroso, tivemos Henrico Ferri, tivemos, também, Adolfo Quételet, mas ainda assim eles produziram trabalho muito empírico! Eles não tiveram sensibilidade de abrir a mente deles para o campo dedutivo e, às vezes, utilizar um pouco da dedução para tentar entender aqueles dados empíricos que eles estavam colhendo naquela época! Se Lombroso fizesse isso, por exemplo, aquela ideia que ele teve de medir ou definir determinados tipos de crimes de acordo com os aspectos biológicos, ele obviamente iria se desestimular de encampar aquela defesa que ele fez, que acabou colocando em crédito, toda a sua história! Mas, nós, no campo do livro “criminologia por outro ângulo”, tentamos não trilhar esse caminho. Nós quisemos, e fizemos isso, de maneira a trazer esse equilíbrio das técnicas filosóficas para a investigação criminal. Existem alguns mapas mentais desenvolvidos no livro, que mostram como o crime ocorre e como ele é processado na mente do infrator e de que maneira a dedução e o indutivismo é utilizado no processamento da mentalidade criminal. E fizemos gráfico muito bem delineado, muito bem definido, amparado obviamente com outros ramos da ciência para poder explicar processos mentais e o leitor tem à disposição uma obra singular que mostra como a filosofia é uma ferramenta necessária e extremamente importante para que as pessoas possam entender com inteireza os fenômenos criminais.
ANFITRIÃO:
Qual é o impacto das teorias criminológicas na formulação de políticas públicas de segurança?
Sobre essa questão das teorias criminológicas na formulação de políticas públicas de segurança, aí reside um perigo muito grande! No nosso livro temos uma parte em que nós tentamos mostrar como estudos consagrados no Brasil apresentavam dados maquiados! Dados que não obedeciam à metodologia científica fidedigna e esses estudos embasaram políticas públicas que, depois, resultaram em ações de segurança pública e fizeram com que essas ações gerassem resultado negativo da resposta, da reação do tecido criminal ante a essas políticas públicas. Ou seja, o exemplo que eu utilizei, quem pegar o nosso livro lá, vou pegar, por exemplo, o Mapa da Violência, que é da Flacso Brasil! O mapa da violência do ano de dois mil e dezesseis, na - salvo engano -, página cinquenta e quatro, a tabela "nove ponto um", lá atrás, sobre homicídios por armas de fogo do ano de dois mil e quatorze, divide esses homicídios de maneira numérica, aonde nós temos, ali, em torno de nove mil, stecentos e sessenta e seis homicídios de pessoas brancas naquele ano. Existem também a divisão desses homicídios por pessoas pardas, pessoas pretas, pessoas que eram considerados indígenas, amarelos e algumas outras que não foram definidas. As pretas, por exemplo, o número foi de três mil, quatrocentos e cinquenta e nove. Já, as pardas, foram vinte e seis mil, trezentas e cinquenta e quatro e, as indígenas, foram cinquenta e nove e os amarelos sessenta e um. O número de pessoas que não puderam definir a etnia deles girava em torno de 592, totalizando, no ano de dois mil e quatorze, quarenta e dois mil, duzentos e noventa e um homicídios. Essa é a tabela "nove ponto um", apresentada no Mapa da Violência de dois mil e dezesseis. Na tabela "nove ponto dois" do mesmo estudo, da mesma publicação, lá também traz os homicídios por arma de fogo e divide ali segundo raça, cor e causa básica. E, lá, aparece da seguinte forma: entre brancos; aparece o mesmo número nove mil, setecentos e sessenta e seis e coloca um outro grupo, que eles chamam de negros e o número salta de três mil, quatrocentas e cinquenta e nove para vinte e nove mil cento e oitenta e um! O que eles fizeram? Eles agregaram, eles colocaram no mesmo bojo os homicídios dos pardos com os homicídios dos pretos! E, aí, é que vem o “X” da questão! Por exemplo, se eu, - eu me considero pardo! - quem for ver minha foto, vai perceber que eu sou pardo, mas, eu não tenho origem nenhuma étnica, histórica, na minha família de pessoas negras. Eu tenho uma irmã que é negra, mas, é adotiva. Eu sou descendente de portugueses - família do meu pai - e de ciganos, a família da minha mãe, mas, não existem negros nas nossas famílias. Porém, se eu tivesse falecido no ano de dois mil e quatorze, o mapa da violência teria me colocado no grupo dos negros nessa publicação deles e eu iria figurar nessa publicação! O que isso interfere na segurança pública? É que o mapa da violência era utilizado pelo Ministério da Justiça! A própria Flacso Brasil tem no seu site quais são as instituições que fazem uso de seus dados e dentre eles tem o Ministério da Justiça e eles também elencam várias outras instituições que atuam com esses dados de segurança pública! E aí, pense: você tem um estudo que traz dado viciado! Por quê? Porque após a tabela 9.2 você não vê mais nenhum trabalho feito pelo mapa de violência agregando os pardos com brancos, os pardos com indígenas, os pardos com amarelos! Você só vê os números dos pardos misturados com o povo preto! E coloca no subgrupo negro! Outra questão que eles fizeram foi colocar que a base deles era o IBGE, o Censo Demográfico de dois mil e dez do IBGE. Só que, quando você pega o Censo Demográfico de dois mil e dez do IBGE, você não vê o IBGE quantificando nenhum dado com o subgrupo negro! Só existe: brancos, pretos, pardos, amarelos, indígenas. Não tem nenhum subgrupo negro! Ou seja, o mapa da violência afirma ter tirado isso do IBGE, mas ele não consegue demonstrar isso de maneira prática! É só uma afirmação, mas, quando você vai buscar na fonte primária, você não encontra esses dados. E, aí, eles dizem que também utilizavam os dados do Ministério da Saúde a respeito das mortes. É o que eles justificavam. Não tem como falarmos que eles maquiaram isso de maneira proposital! Não há, também, como acusá-los de que existe ali algo tendencioso, mas, o que é evidente é: que os dados apresentados por eles foram feitos de maneira equivocada, de maneira que não obedeceu a metodologia científica. E isso interfere na segurança pública. Por quê? Porque você tem o DEPEN (SENAPPEN) fazendo publicações posteriores, apresentando a etnia dos presos dentro dessa mesma metodologia e o DEPEN coloca lá que existem dentro das instituições prisionais no Brasil cerca de 67% de negros e 31% de brancos. Então, ou seja, dá aquela intenção de que a maioria das pessoas nas cadeias elas são negras e, isso, não é uma verdade! Quando vai se depurar os dados, a maioria das pessoas presas no Brasil são pardos! Não são nem brancos e não são nem pretos, são pardos! E aí, em segundo lugar, você tem a população mais branca e em terceiro lugar a população preta. Então, ou seja, como que isso pode ser aceito como algo normal, sendo que quando vai se buscar as fontes primárias, porque as fontes secundárias estão viciadas, mas, as fontes primárias não. As fontes primárias estão trazendo dados corretos! Temos aqui o caso dos dados do Censo Demográfico. Já o DEPEN, ele se torna fonte primária porque ele é o próprio órgão prisional. Mas, a metodologia que ele usa é a metodologia amparada por instituições similares como o mapa da violência. E essa metodologia é equivocada porque ela não contempla, de fato, o que seria essa distinção étnica. Por exemplo, o próprio IBGE tem uma publicação, do José Luiz Petruccelli, responsável pela parte de etnia do IBGE, ele fala que os brasileiros se definiam de acordo com a tonalidade da pele e não pelo seu histórico etnográfico. Ou seja, as pessoas olhavam para o próprio braço e elas se definiam etnicamente. O que isso muda na segurança pública? Muda porque as políticas públicas recebem dinheiro! Elas recebem grandes volumes para poder produzir políticas de segurança e existem volumes de dinheiro que vai para áreas de igualdade racial, que vai para promoção de políticas voltadas para o aspecto etnográfico e deixa de chegar nas pessoas que de fato precisam desse dinheiro! Que, por exemplo, você não tem uma política pública para abordar exclusivamente o pardo. E, geralmente, o pardo é a maioria das favelas. Você vai encontrar mais pretos nas regiões da Bahia, mas, os pardos se encontram no Sudeste! Nas grandes favelas do Sudeste, você vai encontrar muitos pardos vivendo de maneira absurda, totalmente desumana, em situação de pobreza, até extrema! E essas políticas públicas que são para a igualdade racial, atuam apenas com a parcela da população negra, que é aquela pessoa que, de fato, é de origem afrodescendente, mas são recursos que não são feitos de maneira equânime! E isso interfere nas políticas públicas! Por quê? Você tem uma informação produzida na sociedade de que a polícia prende muito negro e, isso, é uma mentira! A polícia prende pardo! Mas, por que prende pardo? Porque os pardos são maioria! Ou seja, eles a maior parte demográfica dentro da área de atuação de uma unidade operacional é de pardos! Então, logicamente, a prisão de pardos vai ser maior do que de brancos. Ou seja, a gente sai do plano etnográfico para o plano demográfico de segurança pública. E aí, se nós tivéssemos, de fato, uma política pública que contemplasse esse aspecto, aí sim, teríamos produção de segurança pública com eficácia, com eficiência! Poderia atacar os problemas sociais de maneira mais justa, de maneira mais transparente e até incisiva! Não estou dizendo aqui que as políticas públicas para igualdade têm que ser distintas. Não. Pelo contrário! Eu acredito que existe racismo no Brasil, acredito que existe, sim, uma tendência de tensionamentos sociais no Brasil! Nós não negamos isso! Nós acreditamos que isso existe de fato, mas, entendemos que a maneira como as pesquisas são desenvolvidas não condiz com a realidade assistida pelo policial que está na “ponta da lança”! Então, a ideia do “criminologia por outro ângulo” foi trazer a luz sobre esse aspecto. E é por isso que eu trouxe agora com mais avidez essas informações para que o leitor possa ter acesso a esses dados e conferir nas fontes primárias, ver de fato que existe ali dado equivocado que não obedecia à metodologia correta!
ANFITRIÃO:
Honoráveis Ouvintes! Considerando a extensão dos esclarecimentos aqui apresentados, faremos um intervalo neste momento para, no próximo episódio, prosseguirmos nesta fascinante entrevista com o professor Alan Fabiano. Acesse os links de pesquisa em www.hextramurospodcast.com e saiba mais sobre este conteúdo. Inscreva-se e compartilhe nosso propósito. Será um prazer ter a sua colaboração. Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!