DIREITOS HUMANOS E REPRESENTAÇÃO ÉTNICO-RACIAL NAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS.
Na sequência da série “QUESTÕES RACIAIS NA SEGURANÇA PÚBLICA E JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL”, recebo ELIZEU SOARES LOPES, Advogado Ativista de Direitos Humanos e do Movimento Negro, Assessor do Ministério da Justiça e Segurança Pública e ex-Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo.
Saiba mais!
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Transcript
ANFITRIÃO 0:14
Honoráveis ouvintes. Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, na sequência da série Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil, orgulhosamente, recebo Eliseu Soares Lopes, ativista de direitos humanos e do movimento negro, ocupando atualmente o cargo de Assessor de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília.
Dr. Eliseu, saudando-o com as boas-vindas, agradeço penhoradamente a presteza e gentileza de Vossa Excelência em prestar a sua colaboração a este canal! Ante a sua vasta experiência na atuação em pautas que envolvem o desenvolvimento de políticas públicas ligadas aos Direitos Humanos e da sua compreensão da atividade de segurança pública sob a ótica e vivência adquirida no exercício recente do cargo de Ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, como visualizas a implementação de políticas de treinamento e sensibilização para os agentes policiais sobre questões raciais e preconceito inconsciente?
CONVIDADO 1:58
Esse debate, é preciso considerar que o racismo no Brasil foi uma das maiores tragédias da sociedade brasileira! O que explica, digamos assim, as assimetrias históricas da construção da sociedade brasileira. Ou seja, isso impacta em dois tipos de pessoas, digamos assim, pessoas que são sujeitos de direito e pessoas que não são sujeitos de direito. E isso pode se evidenciar, por exemplo, nos locais de maior vulnerabilidade, ausência do Estado, presença de uma violência tamanha nessas localidades, presença inclusive da violência feita por agentes estatais, mas, também, impulsionada, evidentemente, por falta de perspectivas, por organizações criminosas! É preciso considerar; a polícia não pode enxergar, em hipótese alguma, a população como sua inimiga! A polícia tem que enxergar a população como, inclusive, aliada! E é preciso, portanto, confiar na população. É claro que não podemos, evidentemente, subestimar a atividade criminosa, atividade paraestatal que, inclusive, se sofisticou! Mas, é preciso, evidentemente, ter uma análise científica, ir às raízes e o porquê disso! Considerando primeiro essa questão, é importante pensar que nós precisamos ter em todas as matrizes curriculares, de todas as polícias, todas elas, uma política de direitos humanos! É preciso que essas pessoas compreendam, por exemplo, o papel social que eles podem ter nas comunidades. Polícia de proximidade, polícia comunitária! É preciso pensar que essas matrizes curriculares, têm que estar de acordo, evidentemente, com a polícia, que pense a sociedade, que ressignifique o papel da sociedade brasileira. E a Constituição é clara: todos nós somos iguais! E é preciso, portanto, que essa igualdade se espelhe nas políticas públicas, sobretudo na política pública de segurança. Na minha experiência, inclusive, na Ouvidoria de Polícia de São Paulo, nós procuramos debater isso, exaustivamente, em um seminário, onde nós abordamos essas questões. E é importante, por último, dizer que esse processo de formação é preciso que, também, haja uma escuta por parte da polícia. A polícia precisa escutar, por exemplo, a academia, precisa escutar a universidade, precisa escutar cidadãos a partir das suas organizações! Me parece que essa é a grande questão para melhorar, digamos assim, a consciência social dos agentes de segurança pública, mas sobretudo, é você ter políticas concretas para, digamos assim, dirimir o viés inconsciente que permeia a formação do indivíduo. É muito importante ressaltar que o sujeito, quando entra para atividade policial, ele já vem formado! Seus valores, os seus preconceitos, as suas anomalias, os problemas de como ele enxerga a sociedade, as organizações policiais. Já recebe as pessoas assim, mas, as organizações policiais, o sistema de segurança pública não pode, em hipótese alguma, subestimar
esses problemas. Nós precisamos pensar um pouco, eu diria, para terminar essa questão. Eu sei que é uma questão muito pertinente, mas, nós precisamos pensar um pouco e ressignificar o conceito de quem é cidadão na sociedade brasileira!
ANFITRIÃO
Entendes como necessária a criação de mecanismos de monitoramento e responsabilização para casos de discriminação racial por parte da polícia? Por quê?
CONVIDADO
Primeiro, é preciso consignar que o problema do racismo está nas entranhas da sociedade brasileira! Faz parte da subjetividade das pessoas. Porque isso foi construído ao longo dos anos. Foram mais de 300, com um pouco mais, de 350 anos de escravidão! A cidadania, considerando que todos nós somos sujeitos de direito, isso é uma coisa muito recente, e, particularmente, essa questão racial, ela tem ganho contornos no Brasil agora! Nós nunca tivemos mecanismos de promoção da igualdade racial no sentido de combater o racismo estrutural no Brasil! É muito recente! De modo que nós não podemos tratar assim de forma espontânea! É preciso ter mecanismos que possam contribuir para pensar num novo paradigma da atividade. Evidentemente, nós estamos aqui discutindo o problema de segurança pública, da atividade policial. Monitorar não é simples, mas é possível trazer elementos, políticas concretas, mecanismos para inibir, digamos assim, os casos de discriminação racial por parte de agentes de polícia. Uma das questões importantes que, talvez, possa contribuir para isso é uma ferramenta tecnológica: as câmeras operacionais portáteis. Essas câmeras foram implementadas em Santa Catarina, em vários estados aqui do Brasil e no mundo, e, particularmente, no estado de São Paulo. Elas são um instrumento importante porque protegem o agente policial, mas, também, protege o cidadão, na medida em que o agente, com aquela câmera, vai ter uma postura técnica, seguir os padrões, as normas que estão estabelecidas nas polícias. Claro que não é só! Nós precisamos, talvez, pensar
não só na estrutura policial, mas, em todas as estruturas do Estado, comissões para tratar do problema racial. Nós temos a experiência, por exemplo, do NAFRO, da Polícia Militar da Bahia, que é um grupo de ações afirmativas que trata das questões das religiões de matriz africana, mas que agora foi transformado, também, em um núcleo que procura pensar as questões étnico raciais, os embates de preconceito, de racismo "interna corporis" na polícia, na corporação e, também, para fora! Podem ter estruturas centralizadas ligadas ao Comando Geral, no sentido de avaliar a conduta dos agentes, de pinçar abordagens para saber se há elementos de subjetividade racista. Nós precisamos de uma política de ação afirmativa de ingresso nas polícias! Tem que levar em conta a nossa geografia, a nossa população brasileira! Nós tivemos, agora, uma ação afirmativa muito interessante que o Tribunal de Justiça de São Paulo fez no sentido de um concurso para as mulheres, só para mulheres! Precisamos fazer essa ação afirmativa no ingresso das polícias, das corporações, de todas as polícias, porque a diversidade é um fator importante de aprimoramento de uma política pública!
ANFITRIÃO
A promoção da diversidade étnico racial dentro das instituições policiais é condição fundamental para a evolução da representação mais equitativa da sociedade? Tal promoção requer ser observada, também, nas instituições do sistema de justiça?
CONVIDADO
Eu não diria que é condição fundamental. Eu diria que é condição "sine qua non" para pensarmos em um país mais justo, em um país onde se, verdadeiramente, possa reparar os efeitos danosos causados a mais de 50% da população brasileira, a população preta, pobre, enfim, parda, da escravidão ocorrida no Brasil! A própria Constituição Brasileira, no seu artigo terceiro, inciso quarto, deixa bem claro, por exemplo, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, que é exatamente pensar em combater as desigualdades sociais, buscar o desenvolvimento nacional. E você não faz isso se você não criar exatamente uma possibilidade de reequilibrar as condições da sociedade brasileira, as condições das relações de poder, das relações de apropriação das riquezas produzidas no Brasil, das possibilidades de ter acesso à educação, das possibilidade de ter acesso a uma situação mais justa, um mundo mais justo, um país mais justo, que tem como o problema central exatamente a pobreza extrema! Portanto, nós precisamos ter uma política de formação, uma política racial efetiva para que os oficiais das polícias, no caso dos policiais militares, seja condizente com o percentual de população preta, parda, população negra que tem na sociedade. É preciso que essa diversidade alcance todas as patentes, mas também dos sistemas de polícia em geral e, principalmente, no sistema de Justiça! Juízes comprometidos com a história da sociedade brasileira, que compreendam essas assimetrias a partir de um prisma social de que não basta só sentenciar uma pessoa que cometeu algum tipo de desvio de conduta que se espera de qualquer cidadão, mas, é preciso também que esses juízes tenham consciência da realidade da sociedade brasileira. Porque a diversidade proporciona também os múltiplos olhares, múltiplas visões, sensibilidades que as pessoas negras e as pessoas mais vulneráveis têm. Isso também é um fator de enriquecimento para uma melhor decisão, no caso dos policiais e no caso do Poder Judiciário, não tenho dúvida nenhuma, que seja diverso e que seja múltiplo das diversas visões dessa formação do Estado brasileiro!
ANFITRIÃO
Em que fundamentos se amparam as propostas para o desenvolvimento de protocolos claros e transparentes para abordagens policiais? Seriam eles suficientes para evitar eventuais casos de discriminação racial durante operações policiais?
CONVIDADO
Eu acho que o primeiro fundamento está esculpido na Constituição: o artigo 144 da Constituição Federal, que define que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, estabelecendo ainda quais são os órgãos encarregados desse mister. Em outras palavras, a segurança pública seria a garantia dada pelo Estado de uma convivência social isenta de ameaça de violência, permitindo a todos o gozo dos seus direitos assegurados pela Constituição por meio do poder exercido de Polícia do Estado. Então, é contraditório
com a atividade policial ter atitudes que faça distinção das pessoas, sobretudo das pessoas, em função da cor da sua pele, ou orientação sexual ou religiosa, enfim! O que fundamenta, portanto, é a dignidade da pessoa humana, que também é um comando constitucional. Todos os fundamentos que integram o princípio da dignidade humana tem que ser observados! E tem que ser observado à luz da formação histórica da sociedade brasileira! Se muitos autores como Clóvis Moura, sociólogo, professor da Universidade de São Paulo, Florestan Fernandes e agora mais recente, o professor Silvio Almeida e outros escritores ou outros nomes da literatura brasileira têm tratado do problema dessa chaga que permeia a formação do Estado brasileiro, que é o racismo institucional, o racismo estrutural! Não há outra forma de nós preservarmos para que se evite práticas racistas, se não tivermos protocolos claros e transparentes de abordagem policial. Além dessas diversas questões aludidas, é importante também ter boas práticas! É importante que, no imaginário cultural, o negro possa ser retratado sobre a importância para a construção da nossa pátria, para a construção do nosso país!
ANFITRIÃO
Honoráveis ouvintes, faremos uma pausa neste conteúdo do Hextramuros neste momento. Para a conclusão desta entrevista, convido a audiência para acompanhar e ouvir o próximo episódio da Série "Questões Raciais na Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil". Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Neste conteúdo, converso com Eliseu Soares Lopes, Assessor de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Acesse nosso website, inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!