Episode 76

"Passaporte Para o Terror. Os Voluntários do Estado Islâmico". Parte II

Qual o risco do envolvimento de redes criminosas brasileiras de alcance transnacional com o financiamento de atividades terroristas e como as autoridades brasileiras podem melhorar a prevenção de atividades relacionadas ao terrorismo no nosso país? Na conclusão da entrevista, GUILHERME DAMASCENO FONSECA, responde a esta e outras explosivas perguntas, relacionadas ao livro de coautoria dele, "Passaporte para o Terror. Os Voluntários do Estado Islâmico."

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Transcript

ANFITRIÃO 0:15

Honoráveis ouvintes. Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! O livro "Passaporte para o Terror. Os Voluntários do Estado Islâmico." é uma obra que se propõe a esclarecer o que motiva a descomunal presença de estrangeiros no autodenominado Estado Islâmico. A enorme diversidade econômica, social e cultural desses estrangeiros torna impossível encontrar algum padrão ou conjunto de fatores que explique todos os casos desse contingente formado por mais de 30.000 homens, mulheres e crianças, oriundos de quase 100 países que, em geral, largaram tudo para se juntarem ao Califado. No conteúdo de hoje, damos sequência à entrevista com o policial federal Guilherme Fonseca, um dos autores do livro "Passaporte para o Terror. Os Voluntários do Estado Islâmico." Meu caro, retornando diretamente ao ponto de nossa pausa, em sua pesquisa, você encontrou alguma correlação entre condições sócioeconômicas e a propensão de indivíduos a se juntarem ao Estado Islâmico?

CONVIDADO 1:55

Se você ler os estudos e as pesquisas mais, digamos, clássicas de terrorismo, especialmente aquelas publicadas entre as décadas de setenta, oitenta, você vai perceber que há quase um consenso de que é incorreta, de que não procede, a hipótese de que más condições sócioeconômicas, ou seja; a pobreza, desemprego e pouca escolaridade, pouca perspectiva de vida, leva uma pessoa ao terrorismo. É compreensível porque, afinal de contas, eram pesquisas que focavam muito em movimentos violentos de esquerda, movimentos nacionalistas, cuja grande parte da constituição, naquela época, eram formadas, de fato, por indivíduos de classe média, com bom nível de escolaridade, etc. E, se olhássemos os grandes componentes do jihadismo dos anos oitenta, noventa a gente tinha Bin Laden um milionário saudita, Zawahiri, um médico egípcio e por aí vai! Na verdade, é fácil perceber também que a própria ideia de que a pobreza poderia ser uma causa suficiente para levar alguém ao terrorismo ou mesmo, ouso aqui estender um pouco o raciocínio, para levar alguém ao crime, facilmente cairia por terra com um raciocínio dos mais singelos, que seria algo do tipo: "bem, se más condições socioeconômicas, por si só, levasse pessoas ao terrorismo,teríamos no mundo, por exemplo, centenas de milhões de terroristas e não milhares!". Feita essa consideração inicial, e já descartando a ideia de causa e efeito, de causalidade, a gente tem que seguir discutindo a possibilidade de eventuais relações não diretas ou, como você bem colocou na pergunta, correlações entre condições socioeconômicas e propensão dos indivíduos se juntar a movimentos violentos. Na nossa pesquisa, foi interessante observar que, em alguns países da Europa, aparentemente havia correlações mais fortes com fatores socioeconômicos, sim! De novo, sem querer generalizar, mas, outras pesquisas, por exemplo, sugeririam que esses fatores, talvez, estivessem ainda mais relevantes na radicalização dos chamados atores solitários, etc. Mas, talvez, a ideia que nos pareceu mais atraente para trazer aqui, em vez de falarmos de pobreza, absolutamente considerada em si, ou seja, de uma privação material absoluta em termos de bens e serviços, o fato em si, talvez seja muito mais interessante falar de um outro conceito, que é a ideia de privação relativa, em lugar da privação absoluta, ou seja; da pobreza ou da má condição em si. Então, ao contrário à ideia de privação relativa, teria a ver com como cada indivíduo reage e se frustra com as dificuldades materiais. De acordo com essa abordagem, um indivíduo de classe média, por exemplo, poderia apresentar um sentimento de raiva, frustração, inveja ou dificuldade de se relacionar com o que ele percebe sendo uma grande injustiça de uma forma ou, até mesmo, a consequente busca por culpados, muitas vezes, de uma maneira muito mais intensa de que, por exemplo, uma pessoa mais pobre, mas que fosse mais resignada ou que, talvez, não tivesse idealizados grandes projetos de futuro para a sua vida e, consequentemente, com uma possível maior aceitação à sua realidade de vida, a sua falta de perspectiva. E, de certa maneira, essa noção de privação relativa, faz mais sentido com o nosso modelo de tentar explicar essa motivação, por que vai mais ao encontro da nossa hipótese de uma conjunção de fatores de diferentes níveis, uma vez que ela traz também um componente subjetivo e psicológico associado a essas hipotéticas más condições socioeconômicas. Outra coisa que eu encontrei que tem alguma relação com essa pergunta, que é muito interessante, que foi uma outra abordagem que surgiu paralelo aos fenômenos dos "Foreign Fighters" na Europa, que está relacionada com a ideia de nexo "crime e terror", ou seja; com aspectos de uma potencial convergência entre crime e terrorismo. Chamou muito a atenção a proporção de "Foreign Fighters" que foram para o Estado Islâmico com histórico criminal. Era muito grande! Embora o fato de, em si, de terroristas com passagens criminais, não fosse uma novidade, a proporção com que isso aconteceu, chamou muito a atenção! Em muitos países da Europa, foram a maioria, chegando a setenta, oitenta por cento que tinham passagens criminais! Alguns pesquisadores tentando interpretar esse fenômeno, trouxeram a hipótese de que, na verdade, não estaria ocorrendo uma fusão ou qualquer tipo de cooperação em larga escala entre organizações criminosas e terroristas, mas sim, uma conexão, uma sobreposição de redes de networks. Ou seja, ainda que não intencionalmente, as organizações terroristas aparentemente têm sido cada vez mais habilidosas no sentido de atrair pessoas de um mesmo tecido social, de uma mesma, "bacia", retirados de um mesmo contexto, muitas vezes, desproporcionalmente, oriundos de setores menos privilegiados da sociedade. E, se fôssemos identificar um lugar físico, onde essa sobreposição de networks acontece, claro que estaríamos falando das prisões.

ANFITRIÃO 9:50

Qual o risco do envolvimento de redes criminosas brasileiras de alcance transnacional com o financiamento de atividades terroristas e como as autoridades brasileiras podem melhorar a prevenção de atividades relacionadas ao terrorismo no nosso país?

CONVIDADO:

Existem organizações terroristas com redes de financiamento transnacionais complexas, de alcance realmente mundial, que estão, virtualmente, em todos os cantos do planeta. E, obviamente, não seria uma região com tantos problemas sociais e institucionais como a América Latina uma região imune a esse tipo de problema. Existem muitos trabalhos e pesquisas, não somente feitas por estrangeiros mas, também, por brasileiros, que mostram claramente como o Brasil, também, está sujeito a atividades de financiamento terrorista. Vou citar aqui, só como exemplo, as pesquisas relacionadas ao Hezbollah, feitas pelo Christian (Viana), nosso colega. Outro aspecto já comentado aqui, dessa ideia de convergência "crime e terror" é, justamente, o fato de que muitas organizações criminosas, especialmente nos últimos 20 anos, quando as movimentações bancárias internacionais se tornaram mais vigiadas, tiveram que buscar outras formas de se autofinanciar. E, talvez, a principal delas, obviamente, é o envolvimento, mesmo, com atividades criminosas muito lucrativas: tráfico/contrabando de todo tipo de "commoditie" criminal, pessoas, armas, drogas, mineração ilegal, muitas vezes se aproveitando de áreas com pouco controle estatal, como as fronteiras. Na América do Sul, mesmo, há vários exemplos históricos, claros, de como isso ocorreu como, por exemplo, as próprias FARC na Colômbia. Sobre participação de redes criminosas brasileiras, eu não vejo muito interesse, falando bem superficialmente, de organizações brasileiras como estratégias do grupo ou da direção do grupo em si, intencionalmente, se envolver com financiamento de grupos terroristas. O foco deles é fazer dinheiro! Nesse sentido, tudo é possível, eventualmente, acontecer porque, como você bem conceituou na sua pergunta usando o termo rede, a maioria das organizações hoje, ainda que elas permaneçam com algum tipo de hierarquia, o funcionamento se dá muito mais numa configuração de rede, mais descentralizadas, do que organizações hierárquicas, piramidais. E, de certa maneira, isso possibilita com que esse nível de autonomia que é dado para uma ou outra célula, isso permite que eventuais acordos temporários de uma outra célula, por exemplo, do PCC, possa acontecer com uma organização, exemplificando, como o Hezbollah. O problema é que, quando isso ocorre, pontual e ocasionalmente, ao sair na mídia, fatalmente vai acabar gerando uma manchete sensacionalista, sugerindo que há uma cooperação acordada entre os grupos, como organização, o que, não necessariamente, seria e é verdade.

ANFITRIÃO:

Como você avalia o grau de conscientização pública sobre a ameaça do terrorismo no Brasil e de que maneira os esforços em nosso país podem ser intensificados para combater o financiamento de organizações criminosas?

CONVIDADO:

Falando aqui mais na condição de pesquisador, posso apenas dar uma opinião pessoal, com base no que eu tenho oportunidade de observar por meio de fontes abertas, redes sociais. Eu acho que está evoluindo sim! Até poucos anos atrás, vivíamos um estágio de quase completa negação, que era o que acontecia no Brasil até a chegada dos grandes eventos! Basta você ver registros de debates públicos, há menos de dez anos e quase se ridicularizava quem falasse da possibilidade de terrorismo no Brasil! Então, quando se começou a discutir uma elaboração de uma lei, etc. Infelizmente, a lei, de certa maneira foi aprovada sem uma necessária maturação desse debate público, até em função das pressões internacionais, com a proximidade do Brasil sediando Jogos Olímpicos e hoje em dia, com a polarização política, o tema acaba ficando também politizado, o que muito pouco costuma contribuir para os debates. Mas, acho que o público brasileiro, as autoridades, políticos, talvez aos poucos, tenham compreendido que o terrorismo envolve todo um ciclo de atividades que vai além do próprio atentado, do explodir da bomba e, dentre essas diversas atividades que antecedem, que sucedem o ataque terrorista, está o financiamento. Além disso, ainda que o Brasil, como nação, talvez não seja considerado um alvo natural da maioria dos grupos terroristas transnacionais, como o Estado Islâmico, a gente não pode esquecer que o Brasil poderia estar também diretamente no centro das atenções de outras maneiras igualmente desagradáveis, como sendo base de operações para ataques contra outros países, como inclusive se suspeita que já tenha ocorrido no passado, com relação aos ataques à Argentina nos anos 80, ou mesmo sendo palco, no sentido de que o que poderia ocorrer, por exemplo, quando o Brasil sedia um evento como Olimpíadas, tendo como alvo a delegação de algum outro país ou mesmo na eventualidade de algum extremista de algum grupo extremista local decidir explodir, sei lá, um centro judaico ou uma mesquita no Brasil. Com relação à lavagem de dinheiro e o financiamento terrorista, tema que ficou conhecido no Brasil pela sigla PLD-FT, sem dúvida, o Brasil parece estar evoluindo e o último relatório do GAFI, de certa maneira, é uma prova inequívoca disso! Mas, sim, ainda foram apontados algumas necessidades de, salvo engano, melhorar a capacidade técnica e de informação no sentido de algumas instituições ligadas ao sistema de prevenção serem mais capazes de identificar comportamentos que indiquem, por exemplo, a evasão de sanções internacionais ou mesmo a necessidade de intensificar recuperação de ativos ligados ao crime, terrorismo, etc.

ANFITRIÃO:

Qual a tua avaliação acerca das tentativas de países e outras entidades ao tentar coordenar esforços na prevenção do terrorismo global?

CONVIDADO:

Na minha opinião, por si só, uma ideia de uma potencial coordenação global de esforços de antiterrorismo é, de certa maneira, um pouco utópica e, na prática, muito complexa e difícil de acontecer! A gente precisa ter em mente que, mesmo quando pensamos nas maiores e mais abrangentes organizações internacionais do mundo, como por exemplo, a Interpol, a UNODC e a própria ONU, a gente está falando de instituições que possuem como membros países com as mais distintas agendas políticas, muitas vezes completamente antagônicas. Como tratar e implementar estratégias mais, digamos, universais, quando temos na mesma mesa países tão diferentes e com pautas tão distintas como o Irã, Israel, Rússia, Estados Unidos e China? Eu acho que sim, para alguns aspectos da prevenção do terrorismo, como o compartilhamento de inteligência mais sensível, por exemplo, relacionadas a suspeitas de planejamento de ataques, a cooperação internacional acaba tendendo a funcionar melhor bilateralmente, ou seja, aquele tipo de cooperação, de troca, de ajuda entre o país que interceptou e obteve aquela informação sensível e o país ou, eventualmente, os países diretamente interessados e não nos ambientes mais multilaterais, financiados e proporcionados por essas grandes organizações internacionais. E, quando falamos de inimigos comuns, como por exemplo, o Estado Islâmico, é interessante perceber que isso ocorre, eventualmente até entre potências rivais e não aliadas, como aconteceu entre recentemente Estados Unidos e Rússia, nesse ataque do Estado Islâmico recente, com os Estados Unidos, aparentemente tendo interceptado ou levantado inteligência que indicava o planejamento de ataques do Estado Islâmico na Rússia e fazendo esses dados, em alguma extensão, chegar aos conhecimentos dos russos, como foi noticiado pelos americanos. Um outro tipo de cooperação, mais coordenada e mais multilateral, comandada por uma organização mais abrangente, no meu modo de ver, acaba acontecendo mais facilmente em contextos muito específicos, como por exemplo acontece entre os chamados "Five Eyes" - Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia -, ou seja, países historicamente muito alinhados e com acordos bem específicos de compartilhamento de inteligência. O exemplo que melhor me vem à cabeça é realmente o tema da repressão ao financiamento terrorista, já que existem forças-tarefas e esforços multilaterais patrocinados pelas grandes potências que se mostram, sim, decentemente eficazes, como o próprio GAFI, que inclusive atua com um certo alinhamento às diretrizes da própria ONU no tocante a esse tema. No que diz respeito às atividades de prevenção ao financiamento, eu acho que sim, podemos falar em uma relevante coordenação internacional, ainda que não de alcance totalmente global, pelas mesmas complexidades das relações internacionais entre os países já mencionadas.

ANFITRIÃO:

Guilherme você acredita que a narrativa do Estado Islâmico perdeu força ao longo dos anos ou ela continua a ser uma ameaça significativa?

CONVIDADO:

Eu responderia sim para as duas perguntas. O EI que chamou a atenção do mundo, em seu auge, em dois mil e quatorze, dois mil e quinze, não existe mais, no sentido de controlador de territórios, sendo capazes, até mesmo, de prover certos serviços e governança à população que comandava, etc, isso não existe mais! Mas, dizer que o EI, principalmente como ideia, como marca, como ideologia tenha desaparecido, ao meu ver, seria uma grande precipitação! É interessante lembrar que, quando o líder do Estado Islâmico, em dois mil quatorze, declara criação de um califado, etc, vários grupos com atuação mais local/regional em vários cantos do mundo - na África, na Ásia, principalmente -, juraram lealdade ao califa, ao então líder do Estado Islâmico original, baseado na Síria e Iraque, e foram tornando o que se convencionou, por eles próprios, chamar de províncias do Estado Islâmico, em lugares tão distantes territorialmente da Síria e Iraque, como Afeganistão, Somália, Moçambique, Indonésia, etc, lugares, de modo geral, quase sempre, onde já existia algum tipo de conflito regional. Então, quando a coalizão envolvendo e lideradas por Estados Unidos e Rússia decidem derrotar militar e territorialmente o Estado Islâmico na Síria e Iraque, cada um deles, por suas próprias razões, diferentes, no caso, Estados Unidos e Rússia, é muito provável que grande parte desses combatentes estrangeiros e parte da liderança original do Estado Islâmico tenha se deslocado para esses outros conflitos, juntando-se a esses outros grupos que, de certa maneira, aproveitaram a marca do Estado Islâmico, criando espécies de franquias regionais do grupo original. O mais relevante deles é conhecido como ISIS-K, que é um grupo afiliado que atua na região chamada de Khorasan, no Afeganistão. E, digo mais relevante, justamente, por ser a franquia mais interessada e com mais capacidades de perpetrar ataques contra as potências mundiais. E, prova disso, é o que acaba de acontecer na Rússia! O Estado Islâmico, como marca, como ideia, segue presente e crescendo, principalmente na África, com destaques para alguns grupos afiliados na região do Sahel, da África Subsaariana, na região do Sul do Saara, Mali, Somália, Moçambique, entre outros. Aliás, esse é um ponto muito importante, que precisa ser ressaltado que, se o Oriente Médio foi um dia o epicentro do terrorismo mundial, esse epicentro vem claramente sendo deslocado para África e as estatísticas publicadas em vários relatórios de publicações, citando o exemplo do "Terrorism Index", nitidamente mostram isso! Em resumo e, respondendo mais objetivamente suas perguntas, sim, o Estado Islâmico segue sendo uma ameaça significativa! A França, por exemplo, prestes a sediar Jogos Olímpicos, certamente, nesse momento, tem suas unidades de inteligência em alerta máximo! Mas, com relação à sua pergunta sobre a narrativa, acho que podemos sim, dizer que houve uma perda de força em vários aspectos dessa narrativa do Estado Islâmico, especialmente se comparamos com seu auge entre dois mil quatorze e dois mil e dezesseis quando, inclusive, a capacidade de produzir e difundir propaganda era enorme!

ANFITRIÃO:

Quais lições o Brasil pode aprender com outras nações no combate ao recrutamento para o Estado Islâmico?

CONVIDADO:

Acho essa pergunta difícil de responder por vários motivos! Primeiro, porque a história dos combatentes estrangeiros, por mais que o Estado Islâmico pareça definitivamente derrotado, as consequências desse movimento, ainda está por ser escrita. Quando a gente pensa nas ondas anteriores de "Foreign Fighters" para o Afeganistão e para o Iraque, passaram alguns anos para que os reflexos de toda essa experiência que é juntada por esses combatentes, de todo o network que é feito entre eles, começasse a ter reflexo em termos de terrorismo internacional, em termos de atentado, etc. Eu acho que os reflexos dessa onda ainda podem estar por acontecer. E, quando a gente fala de lições, é um pouco difícil, porque, sinceramente, não consigo pensar agora num grande exemplo de uma potência mundial que tenha sido super exitosa, seja na prevenção da ida dos seus cidadãos para o Estado Islâmico ou como na mitigação das consequências. Ainda existem milhares de combatentes do Estado Islâmico que estão presos no Iraque e na Síria e seus países de origem não os querem de volta! Não se sabe o que fazer com eles! Mesma coisa, com a família desses combatentes - mulheres, crianças que estão presas, contidas em campos de refugiados, sobretudo na Síria, que também não se sabe direito o que fazer com essas pessoas. Eu não consigo ver boas práticas que foram tomadas de maneira super eficiente por nenhum país até o presente momento e, muitas dessas pessoas, se voltarem para casa, vão acabar presas. O que, também, não é um problema simples, porque você, como ex-chefe no DEPEN, sabe melhor que eu, o poder de propagação e contaminação que más ideias e ideologias podem ter no ambiente carcerário. Não preciso de te dizer o quão problemático poderia ser para o sistema carcerário da França ou de qualquer país europeu, o recebimento de tantos ex-combatentes estrangeiros, pessoas carismáticas, com poder de propagar ideologia e converter pessoas! Um outro ponto, é que o processo de radicalização é extremamente local, no sentido de que as peculiaridades de determinada comunidade, sociedade, faz com que os processos e os fatores preponderantes que atuam na radicalização das pessoas sejam bem distintas. O próprio tecido social do Brasil é muito diferente da maioria dos países que a gente poderia pensar em estudar um programa de desengajamento, de desradicalização e tentar aplicar no Brasil! De maneira que é bem complexo a gente tratar de realidades sociais e contextos sócioculturais tão diferentes e querer trazer isso para o Brasil, para uma realidade, até mesmo, de risco terrorista bem distinto. Eu não consigo ver grandes lições para serem trazidas para o Brasil!

ANFITRIÃO:

Guilherme, que lacunas precisam ser abordadas pela legislação brasileira na questão do combate ao financiamento do terrorismo?

CONVIDADO:

Eu confesso que prevenção ao financiamento no Brasil não é um tema que eu acompanhe de perto, nem academicamente e, muito menos, profissionalmente. Mas, o já citado recente relatório do Brasil feito pelo GAFI, dá algumas dicas, apesar de não apontarem muito especificamente lacunas de legislação, o GAFI, expressamente, entende que algumas áreas precisam ser melhoradas ou implementadas. O relatório é facilmente encontrado na internet e menciona pontos de melhora, tais como aprofundar o entendimento de como funcionam os fluxos de dinheiro na lavagem relacionada a crimes ambientais ou mesmo na falta de uma estratégia mais macro e de longo prazo, com metas bem definidas, o que acabaria dificultando a cooperação interagencial - a cooperação entre os diversos órgãos que compõem o sistema preventivo no Brasil, além do COAF - e, do ponto de vista legislativo, que é o objeto da sua pergunta, fazem menção expressa, também, ao que considero uma excessiva centralização de dados cruciais por parte da Receita Federal, a qual, ao mesmo tempo, acabaria limitada em razões de restrições legais de compartilhar certos dados com as outras agências componentes do sistema, que precisam desses dados para serem capazes de juntar os pontos e de conectar dados e entender melhor esses esquemas de fluxo de dinheiro.

ANFITRIÃO:

Meu caro, avançando para o final de nossa conversa, orgulhosamente agradeço pelos teus esclarecimentos, parabenizo a ti e ao Professor Lasmar pela brilhante pesquisa e publicação e franqueo este espaço para suas considerações finais. Foi uma honra! Grande abraço!

CONVIDADO:

Eu que agradeço a oportunidade de participar! Muito legal bater se esse papo contigo! O livro foi uma certa adaptação da pesquisa acadêmica. Tentar tirar um pouquinho da linguagem massante do trabalho acadêmico. Aos interessados, talvez, a melhor maneira seja acessar o site da editora. A editora chama a press app dois pês A, P, P, R e S e aí é só jogar lá: "Passaporte para o terror. Os voluntários do Estado Islâmico." que dá para fazer a aquisição. Grande abraço!

ANFITRIÃO:

Honoráveis ouvintes, este foi mais um episódio do Hextramuros. Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião. No capítulo de hoje concluímos nossa conversa com Guilherme Fonseca, policial federal e um dos autores do livro Passaporte para o Terror, os voluntários do Estado Islâmico.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.