Ninguém é irrecuperável! Episódio 20
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Transcript
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros Podcast!
Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião.
A reintegração social é um direito consagrado na Lei de Execução Penal, cabendo ao Poder Público garanti-la de forma plena.
Considerando que vozes, ocasionalmente, se levantam vinculando tal propósito como uma fantasia ou mero engodo, trazer aqui a narrativa deste ser humano é, sob o meu ponto de vista, de extrema importância para demonstrar, por meio das palavras, história e manifestação da sua opção pessoal pela transformação, que é possível, sim, reabilitar pessoas no sistema prisional.
Diante disso, apresentando as boas-vindas e agradecendo ao convidado pela gigantesca colaboração, os convido a ouvir a primeira parte desta regeneradora narrativa:
Meu nome é Lacir Moraes Ramos, conhecido no Estado do Rio Grande do Sul como Pastor Lacir ou ex-bandido Folharada, e alguns me chamam de Pastor Folharada. Sou um ex-presidiário, hoje, com 64 anos de idade, sou um acadêmico de Direito da Universidade Luterana do Brasil, resido em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, onde eu nasci e onde eu moro. Moro na capital, sou do interior do estado, mais especificamente, da cidade de Ibirubá. Tive uma infância bastante sofrida, bastante difícil. Sou filho de agricultores. Meu pai trabalhava na roça. Trabalhou muito, como empregado, funcionário na roça, na lavoura, na colônia e, eu, desde os meus 7 anos de idade, trabalhava, sempre junto com meu pai, de saudosa memória.
a época... eu sou nascido em:Eu cheguei a jogar futebol no Internacional da cidade Santa Maria. Tanto joguei com a camisa nove como joguei, também, fui o melhor goleiro que teve na cidade lá do Campeonato Citadino da Várzea. Fui considerado o melhor goleiro na Cidade Santa Maria. Cheguei a ir ao Exército, mas, eu sofri muito na mão da polícia! Sempre, quando escurecia, a polícia me pegava nas ruas, levava para a delegacia, fazia lavar chão, limpar e, depois, mandava embora. Puxavam as orelhas! Eu, só retornava para casa quando conseguia uma fronha de travesseiro, que eu carregava, encher de pão, para levar para os meus irmãos. Depois do Exército, eu acabei sendo preso. Fui envolvido num pequeno furto, dá para se dizer, porque, eu não era ladrão, eu e mais um outro rapaz, eu não sabia dirigir, na época pegamos um fusquinha para dar umas voltas, eu não era criminoso e nem o outro rapaz! Ele sabia dirigir! Fomos pegos, no mesmo dia, com aquele “fuquinha”. Fui condenado a seis anos e meio de prisão e, ali, foi o terror da minha vida! Eu sou uma testemunha viva do que é o sistema prisional. Naquela época, quando dei entrada no sistema prisional, em outubro de 1978, eu dei entrada com 18 anos, no mês do meu aniversário. Eu fiz 19 anos dentro da prisão. Infelizmente, peguei uma condenação, porque não tinha dinheiro para pagar um advogado, de seis anos e meio. E assim, dentro da prisão - era costume da guarda naquela época - batiam nos presos, torturavam os presos de noite. Os funcionários da penitenciária; bêbados, drogados, era uma coisa muito terrível! Fiquei um tempo preso, depois de condenado, tentei uma fuga. Fui transferido para outro presídio. No outro presídio, também, tentei uma fuga, consegui escapar. Me pegaram depois. Dentro do sistema prisional, foi tudo de ruim que eu aprendi! Tudo de ruim, eu aprendi dentro do sistema prisional! E comecei a pegar revolta. Revolta contra o sistema. Revolta contra as autoridades. Revolta contra a sociedade. Desde jovem, desde criança, eu sempre tive um sonho de estudar. Eu via as outras crianças estudando!... Eu estudei até a terceira série primária. Aprendi mal, apenas, ler e escrever pouca coisa. Depois, no meu dia a dia, dentro do sistema, comecei a buscar, a fazer alguma coisa, a ler, a me instruir e, nos últimos anos, antes de sair da prisão, eu já estava, quase, concluindo o ensino médio, através de provas que eu fazia, de supletivo.
Mas, enfim; comecei a fugir do presídio! Me envolvia, conhecia pessoas da criminalidade dentro do sistema prisional, e comecei a voltar para a minha cidade, praticar crimes. E a minha sentença foi... Eu fugi por cinco vezes do sistema prisional! Sempre tive o desejo de trabalhar dentro do presídio, sempre tive o desejo de estudar dentro do presídio, desde a minha entrada no sistema prisional, e até os dias de hoje, eu vejo a grande dificuldade do governo em aplicar alguma forma de, realmente, colocar o preso a trabalhar dentro do presídio, a fazer um curso profissionalizante. A parte da espiritualidade, também, que é o trabalho que a igreja faz dentro dos presídios. Cada vez que eu fugia, eu me envolvia, como foragido, aí não tem como trabalhar. Fui me envolvendo no crime, em assaltos, me tornei um assaltante de banco, um traficante de droga, um sequestrador, um assassino, um criminoso. Infelizmente, a minha vida virou uma desgraça! A ponto que, eu mesmo, pensava que para mim não tinha mais recuperação! E dentro do sistema eu não via nenhuma possibilidade de reverter a minha situação. Realmente, é muito difícil! Só quem viveu lá dentro! Hoje, eu posso dizer que estou recuperado plenamente! Faz 32 anos que eu me converti ao evangelho dentro da penitenciária, depois de uma fuga, quando eu fui recapturado no estado do Rio de Janeiro, lá no Morro do Jacarezinho. Vim recambiado para o estado do Rio Grande do Sul, para a penitenciária, onde, só numa penitenciária, eu passei 18 anos e 3 meses.
No ano de:A gente acredita, realmente! Eu fui procurado no estado do Rio Grande do Sul, vivo ou morto! Eu era caçado vivo ou morto pela polícia, acusado de crimes que eu não tinha cometido. Naquela época, na época da tortura - até hoje ainda existem torturas - mas, naquela época, não tinha Direitos Humanos. Não tinha nada! De madrugada, depois da meia-noite, os policiais civis e militares se uniam com os presos que eles prendiam. E, crimes que eles queriam descobrir, eles torturavam. Eles, quase, amanheciam torturando os presos. Eu passei por muitas torturas, gravíssimas! Terríveis! Cada vez eu ficava mais revoltado com aquela forma de tratamento. Hoje, reconheço uma coisa - eu não me considerava um ladrão - me tornei um camarada que roubava, mas, eu, ainda hoje, entendo que, o ladrão mesmo, é aquele que rouba e, quando é descoberto, mesmo descoberto, em flagrante, está dizendo que não fez! Eu era o contrário! De tanta revolta que eu tinha, eu chegava no juiz e dizia que tinha feito! Eu nunca neguei nenhum crime que, infelizmente, eu vim cometer. Hoje, eu sinto tristeza e uma dor na alma, porque tem coisas que eu fiz, que eu pratiquei, que não tem como pagar. Nem com a minha própria morte não pagaria! Mesmo que existisse a pena de morte, não resolveria! Eu vim a tirar a vida de pessoas, infelizmente, em confrontos com polícia. E a minha vida era uma desgraça terrível!
Mas, eu encontrei a luz! E me agarrei com todas as minhas forças. Depois que eu decidi mudar de vida, dentro da prisão, dentro da própria cela, eu tomei a decisão de largar plenamente o crime. Porque eu, quando era recapturado, a primeira coisa, inclusive os delegados de polícia diziam, me perguntavam: quanto tempo, agora, tu vais demorar para fugir? Porque eles sabiam que eu ia fugir de novo. E eu burlei muitas vezes o sistema, a segurança do sistema prisional que, no interior do estado, nos presídios menores, não me aceitavam de jeito nenhum! Me trouxeram para o Presídio Central. Cheguei no Presídio Central e fugi. Fugi, sozinho, do Presídio Central de Porto Alegre, também, que era considerado, na época, máxima segurança.
Então, veja como fica a vida de um camarada que entra dentro do sistema prisional: pode entrar por um roubo, ser um ladrão de galinha – hoje, está pior ainda! – Porque, hoje, se entrar porque roubou uma galinha ou roubou um quilo de carne no açougue, ele vai para uma galeria com presos terríveis! Hoje, os presídios tem quatro, cinco facções que comandam aquele presídio, aquela penitenciária. E você vai ser obrigado a ir para uma daquelas facções!
E entrou ali, eles já te envolvem, te envolvem a tua família e assim vai crescendo o crime! Dentro das prisões! Ali é a escola! Escrevi um livro. Sou autor do livro intitulado “Um Milagre na Escola do Crime”.
Hoje, eu trabalho dentro do sistema prisional - como o senhor me conheceu, em Brasília - fazendo trabalho com o Departamento Penitenciário Nacional, fazendo um trabalho com o Ministério da Justiça. No Estado do Grande Sul, eu sou um capelão, responsável pelo trabalho de evangelismo dos presídios do Estado do Grande Sul, que são cento e poucos presídios, no Estado do Grande Sul. 48 mil presos nós temos no Estado do Grande Sul. Tenho alegria de entrar dentro dos presídios para testemunhar e para apontar um caminho. Eu sou a prova viva! Reconheço que eu era como um bicho! Eu me tornei como uma fera selvagem! Não tiro a razão das pessoas que diziam que o bandido era irrecuperável e que, bandido bom, era bandido morto! Hoje, eu digo: bandido bom é aquele que foi recuperado, transformado através do trabalho, através da educação, através de cursos profissionalizantes e, principalmente, através da espiritualidade que as igrejas levam dentro do presídio, dentro do sistema prisional. É ali, através do trabalho da igreja, que acontece uma transformação na mente - pode ser aquela mente mais doentia - que está no mais escuro das trevas, da solidão, da desgraça, quando entra a luz do Evangelho de Jesus Cristo, o conselho dos pastores, dizendo que existe esperança! Sou uma testemunha viva, que não existe ser humano irrecuperável! Apenas, tem que mudar os métodos que continuam sendo usados pelos nossos governos - seja estadual ou federal - que possam abrir os olhos. Há condições de transformar o sistema prisional, estadual e nacional. E tem homens com grandes ideias de levar a luz para dentro dos presídios. Não era para passar a mão na cabeça de bandido, que eu costumo dizer lá no meio dos bandidos, dentro da penitenciária. Eu digo para eles: eu não venho aqui para passar a mão na cabeça de vocês. Eu venho aqui para apontar um caminho para vocês. Existe uma esperança para vocês, mas, depende de cada um, depende de uma decisão. Há recuperação. Não existe ser humano irrecuperável!
Sou uma pessoa respeitada, com a Graça de Deus! E reconhecida pelo Poder Judiciário do Estado do Grande Sul e pelo Ministério Público. Pela Procuradoria da Justiça do Estado do Grande Sul. Sou uma pessoa reconhecida pelo trabalho que faço
ndo. Eu fui indultado no ano:Eu estou para o lado de fora, saí em liberdade dia 31 de agosto de 2007, quando a minha pena estava em 182 anos, cinco meses e dez dias. Nove horas da noite, eu recebi o indulto pleno. As próprias autoridades pediram o meu indulto, reconheceram e acreditaram que eu era uma pessoa transformada, que sou uma pessoa transformada e que poderia trazer um benefício e que venho trazendo benefício para o sistema prisional. Tanto para o lado de dentro das grades como para o lado de fora das grades.
Trabalho, hoje, na recuperação de presidiários, de ex-presidiários. Atendo famílias de presos aqui na rua, visito, trabalho com dependentes químicos, levo para casa de internação, para casas terapêuticas, para levar para a recuperação e realizamos congresso. Há mais de dez anos, realizamos congresso, encontro de ex-presidiários. Eu tenho as filmagens para lhe passar todas as informações necessárias e que as autoridades e que a própria sociedade civil possa reconhecer que existe esperança para o sistema prisional. Existe esperança! Principalmente, em lugar de ficar comprando muitas armas, que possam investir na Educação, na escola integral. Eu quero deixar esse registro: Segurança Pública se faz com escola integral nos morros, nas favelas, nas vilas, nas comunidades. Quando os pais têm que sair para trabalhar os filhos vão para a escola, tomar café na escola, almoçar na escola, cursar, praticar um esporte, praticar um curso profissionalizante, se profissionalizar. Em vez de ir para as mãos das facções; sejam resgatados através da educação, da escola integral. Quero fazer um alerta! Quero dar um grito bem alto para as autoridades constituídas, para os governadores, para os prefeitos, para os senadores, para o próprio Presidente da República,
para o Ministro da Justiça, para o Poder Judiciário, para o Ministério Público: que a segurança, na verdade, começa pela escola integral, pela Educação! Vamos investir em Educação. No momento que tem escola integral, os filhos dos pais que têm que trabalhar, enquanto os pais estão trabalhando, não vão ficar na deriva para serem cooptados pelas facções. E assim, nós vamos enfraquecendo as facções. Eles não vão ter mais soldados!
Vamos pensar na segurança pública partindo da Educação, partindo da escola pública. Para que possa iluminar o nosso caminho, o nosso entendimento, onde está escrito no Evangelho de Lucas, na Bíblia Sagrada, no capítulo 1, no versículo 37, está escrito assim: porque, para Deus, nada é impossível! E eu sou uma prova viva desta palavra, que, para Deus, nada é impossível, por intermédio do seu filho Jesus Cristo. E já estamos no clima de Natal. Nós temos o Natal como o nascimento do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todas as nações do mundo comemoram, estão comemorando, estarão comemorando o Natal.
z, no mês de outubro, ano de:Entendo que os presídios teriam que ser mudados de nome, deveriam de ser: escola profissionalizante de reabilitação. Preparar a pessoa para sair. Porque um dia ela vai sair! Um dia, aquele preso, aquele bandido, aquele chefe de facção, um dia, ele vai sair – E, isso, no coração deles, na mente deles!
Eu já estive nessa situação, em celas de isolamento, por muitos anos. Eu cumpri 29 anos de prisão. Fugi por cinco vezes de dentro das penitenciárias, fugi diversas vezes de dentro das delegacias, fugi de dentro dos carros da polícia e a minha vida foi se tornando uma desgraça! Peguei uma condenação. Seis anos e meio, naquela época, só tinha direito a condicional, tinha que cumprir a metade da pena. Não tinha os penduricalhos que existem hoje. Hoje, cumpre 1/6 sexto da pena! Se é primário!... Se é reincidente!... Mas, naquela época, não! Eu fiquei desesperado! Seis anos de pena, seis anos e meio, teria que cumprir três anos e pouco dentro do presídio, com aquele tratamento que eu recebia, totalmente desumano, pessoas completamente despreparadas, pessoas analfabetas!... Hoje, vejo que é necessário pessoas que têm que cursar, se preparar para lidar com o preso, para lidar com ele e entender que ele é um ser humano! É possível realizar um grande trabalho. É possível realizar uma revolução no sistema prisional. Então, comecei, realmente, muito novo e, no crime, funciona assim: eu, novinho, quando fugi, naquela época, quando o camarada conseguia fugir, burlar a segurança, ele era considerado um rei dentro do sistema, porque ele tinha que ter muita coragem para pular no muro, onde tinha dois, três policiais com fuzil e, nas partes de baixo, às vezes, com metralhadoras. Se o camarada não conseguisse passar, provavelmente, morreria ou seria baleado, além de receber uma tortura terrível quando fosse recapturado. Disso não tinha escape! Então, o cara que ia pular, ele estava, como diz, vida ou morte! Isso eu senti na minha pele, e aconteceu comigo, e acontece! E eu consegui burlar! Duas coisas no sistema prisional que fazem com o marginal, o preso, o bandido, aquele ser, se ele conseguir fugir do sistema: é anunciado para todos os lados, na imprensa – “fugiu fulano de tal, bandido de tal” - e assim acontece; como aconteceu comigo,
Se, infelizmente, numa troca de tiro, num confronto com a polícia, ele venha ferir ou matar algum policial, mais elevado é o nível dele dentro do sistema prisional, mais consideração ele passa a ter, infelizmente! Isso aconteceu comigo! infelizmente, vim tirar a vida de dois policiais, de mais duas outras pessoas, em confrontos com a polícia, em fugas, numa vida louca, numa vida desgraçada! Eu não pensava mais na minha vida. Desde o início, quando comecei a receber aquele tratamento desumano e injusto, de tortura dentro da casa prisional - só quem passou, só quem passa dentro do sistema prisional, casa sem nenhuma fiscalização - os diretores, os funcionários faziam o que eles queriam, além de atentarem contra a esposa da gente, atentarem contra a namorada, atentarem contra as filhas, contra as irmãs da gente, que eram assediadas dentro do presídio, na saída, na entrada. Eram assediadas pelos funcionários. Isso é importante destacar, para que vocês saibam que, quando o camarada sai de dentro de um presídio, como é que sai a cabeça dele. Ele sai que nem um bicho! Ele não quer saber da vida dos outros, não se preocupa! Eu conheço a mente do ser humano plenamente e, principalmente, esses que recebem um tratamento totalmente desumano. É bandido, tem a lei. Eu sou a favor da lei e, muito mais, nos dias de hoje, tenho essa compreensão, tenho esse entendimento. Tem a lei, aplica-se a lei! Mas, as pessoas que vão aplicar a lei têm que estar, plenamente, não querendo ser um justiceiro e nem um vingador. Tem que aplicar plenamente a lei, como diz: “a letra fria da lei”. Aplicar aquilo que está escrito, com uma interpretação, porque, infelizmente, as nossas leis são criadas com dois tipos de interpretação. Uma, que eles chamam a mais rigorosa e, outra, que eles chamam mais branda. Tem muitos escapes na lei e, aquele que tem dinheiro, que consegue pagar um advogado, ele consegue se livrar com mais facilidade da lei. Eu era um pobre, miserável infelizmente, sem condições financeiras, analfabeto, mal apenas, sabia ler, e a minha vida seguiu por esse rumo, por esse caminho.
Eu quero mostrar claramente todos os pontos para que se possa ter um entendimento, uma compreensão mais profunda de como um homem, um jovem, um menino pode se transformar em um dos piores bandidos do sistema prisional, do estado onde mora, da nação a qual pertence. E não é difícil, e isso está acontecendo, ainda, nos dias de hoje. É com tristeza que eu falo que, ainda, acontece nos dias de hoje. Esse tratamento, essa tem que ser uma preocupação na construção das casas prisionais, quando construírem as casas prisionais, que o estado possa se preocupar, que a engenharia, os arquitetos, os engenheiros que trabalham para o estado, que desenham as casas prisionais, que possam começar a pensar que não é só a cela que tem que construir. Tem que construir grandes salas de aula e não construir mais penitenciária para 500, 600, para mil presos. É aí que vem o desgoverno! É aí que vem os problemas administrativos, os problemas de segurança, as corrupções. As casas ficam com 500 presos. É difícil de administrar. Eu creio que cada cidade teria que ter o seu presídio para ter os seus presos da sua cidade, da volta, da redondeza, para que cada cidade cuide dos seus próprios presos e que a penitenciária ou o presídio fosse construído com a capacidade apenas, no máximo, para 300 presos, onde se pode administrar melhor e onde se podem criar grandes projetos junto às empresas. As leis nos oferecem grandes vantagens para os empresários colocarem trabalho, colocarem suas empresas dentro dos presídios. Um presídio com a capacidade para 300 presos, eles deveriam construir ali, no mínimo, umas 10 salas, com capacidade para uma empresa entrar. Uma empresa calçadista, qualquer empresa, pode entrar dentro do presídio. E os presos trabalham. Os presos querem trabalhar. Essa falácia que o bandido, o chefão não quer... eles querem trabalhar. E é importante a mente do preso estar ocupada com o curso profissionalizante, com o ensino primário, com o ensino do nível médio e com os demais cursos, com faculdades dentro. É possível, o preso levantar de manhã, 6 horas da manhã, vai tomar o seu banho, vai tomar seu café. 7h30, vai para uma sala, vai ficar ali até 11h, vai voltar para a cela, se preparar para o almoço. De manhã, trabalhou em uma empresa. De tarde, vai para um curso profissionalizante. À noite, vai para a escola, cursar o nível médio ou o primeiro grau. O estudo é obrigatório! Aqueles que não quiserem estudar – dificilmente - tem que ter gente trabalhando - funcionários, psicólogos, assistentes sociais, monitores - que trabalhem com o preso desde a entrada dele no sistema, mostrando as possibilidades que tem se ele estudar. As possibilidades que ele tem se ele trabalhar. As possibilidades que ele vai ter se fizer um curso profissionalizante. Disponibilizar e dar um atendimento antes de entregar ele para as facções. Que eles não têm nenhuma possibilidade de escolher outra coisa, porque é o que o sistema oferece. O sistema é o QG! Os presídios, as penitenciárias são o QG da criminalidade, porque não tem atividade! Aquele preso que trabalha na limpeza, trabalha na faxina; aquilo ali não é uma profissão! E constam nos relatórios do sistema prisional, da administração, da casa prisional: nós temos, aqui, dos 500 presos, 100 presos trabalhando. Aquele preso que pega a panela da comida quando não tem o refeitório, leva na porta da cela... 30, 40 presos trabalham naquela função e constam como trabalhadores. Mas, ele, quando sair para a rua, ele não vai distribuir comida na porta das casas. Ele tem que ser preparado para retornar para a sociedade como uma pessoa melhor. Como estou no início dessa minha fala, quero dizer que nem o maior bandido que está lá dentro da penitenciária, ele não nasceu bandido! Ele foi uma criancinha, ele usou fralda, ele mamou no seio da mãe. A mãe, quando embalava aquela criança, ela dizia assim: esse meu filho vai ser um advogado. Esse meu filho vai ser um médico. Esse meu filho vai ser um professor. São esses os sonhos que as mães têm para os filhos. Jamais, a mãe vai sonhar ou vai desejar que o filho seja um bandido. Mas, depois, vem a parte das dificuldades. Os filhos ficam em casa sozinhos. Porque a mãe tem que trabalhar, o pai tem que trabalhar. E eles ficam ali na beira, para o lado de fora, na rua, na favela, no morro, na comunidade. Ficam à deriva. E o pessoal do tráfico passa ali, dá “10 pilas”, dá “20 pilas”, dá o refrigerante. E vão captando. Dali um pouco, estão dando 100 reais, 200 reais para eles levarem um pacotinho. Dizem: levem esse pacote e larguem em tal lugar, em tal endereço. E ele vai, às vezes, até inconsciente, está fazendo o trabalho do tráfico. Passa a ser um soldado, porque ele está recebendo. E com aquele dinheiro ele traz algum benefício para dentro de casa. Compra alguma coisa que os pais não conseguem comprar e, os pais, como não tem o que fazer, são reféns daquela situação. Por isso, é importante que os governos revejam essas partes. Eu costumo criticar que não adianta o camarada ter um curso! Faz o curso de contenção para dentro de uma penitenciária que não tem uma experiência, não tem aquele espírito, não tem aquele preparo para atender aquele jovem que está ingressando no sistema prisional. Os nossos jovens que estão entrando, os primários, principalmente, têm que ter penitenciárias e presídios especiais para receber todos que quisessem mudar de vida. Não importava se era novinho, se era chefe de tráfego, líder de facção, eu consegui resgatar muitos e tenho assaltantes de banco, assaltantes de carro forte que, hoje, são homens da sociedade, são pastores de igreja, são presidente de casa terapêutica, de recuperação de dependente químico. Pessoas que se converteram comigo. Nós somos provas de que vale a pena fazer um investimento no sistema prisional, principalmente, para o trabalho das igrejas! A igreja trabalha muito a área do coração, da alma, do sentimento, da mente. Trabalha aquela parte da família. A gente bate muito em cima disso, mostrando para eles que a família está sofrendo e a gente sabe que eles, também, estão sofrendo.
de agosto de:Estou com 64 anos de idade, mas, quero ainda, prestar um grande trabalho para a Sociedade, para a Justiça, para os governos. Eu estou à disposição para prestar trabalho. Quero fazer tudo o que tiver no meu alcance para colaborar.
Honoráveis Ouvintes!
Esta foi a primeira parte da entrevista com LACIR MORAES RAMOS, Um Ser Humano que, após uma jornada na atividade criminosa, regenerou-se, tornou-se pastor e atua, hoje, na conversão de pessoas privadas da liberdade e apoio aos egressos do sistema prisional do Rio Grande do Sul.
No próximo dia 30, publicarei a segunda e última parte desta transformadora narrativa.
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