Episode 84

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14th Jun 2024

CÂMERAS CORPORAIS: PROTEÇÃO OU PUNIÇÃO?

Nelson Gonçalves é um especialista em segurança pública e políticas de uso de tecnologia na aplicação da lei, e sua vasta experiência e conhecimento são inestimáveis para entender as nuances do debate que envolve os diversos aspectos e implicações das “body cams”, desde seus potenciais benefícios até as preocupações éticas e práticas envolvidas em sua implementação.

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Transcript

ANFITRIÃO 0:14

Honoráveis ouvintes. Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, com grata satisfação, recebo o ilustre pesquisador Nelson Gonçalves de Souza! Esta não é a primeira vez que o Coronel Nelson, oficial reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, nos honra com sua participação e, nesta oportunidade, estamos muito felizes em recebê-lo novamente, para discutir um tema de extrema relevância e atualidade: o uso das câmeras corporais por policiais no Brasil! Coronel Nelson; é um prazer tê-lo conosco novamente! Seja muito bem-vindo e, para o contexto de nossa conversa, Mestre, o que o motivou a estudar o uso de câmeras corporais pelas polícias no Brasil?

CONVIDADO 1:18

Antes de mais nada, gostaria de agradecer a oportunidade de tratar de temas que são do meu interesse e também parecem ser do seu interesse e, dizer que, a questão das câmeras corporais em uso pelas polícias no Brasil é algo bastante recente e o meu interesse por isso se dá pelo fato de que tecnologias aplicadas à segurança pública são uma área de estudo que está no meu radar. Eu tenho tratado disso há algum tempo, desde o meu mestrado -que tratou exatamente de integração de sistema de informação e de segurança pública- e a questão das câmeras corporais é apenas, e nem por isso menos importante, mais um tema que entra na discussão sobre como melhorar a qualidade do serviço policial no Brasil. Essa é uma discussão complexa e, exatamente por isso, que eu me interessei pelo assunto.

ANFITRIÃO 2:15

Quais são os potenciais benefícios das câmeras corporais para segurança pública e como elas podem influenciar na relação entre a polícia e a comunidade?

CONVIDADO 2:29

Em relação aos benefícios, é importante ter em conta que nós estamos falando de um equipamento que estará gravando de maneira ininterrupta ou não, a depender do protocolo que esteja sendo seguido, de todas as interações que os policiais têm com a comunidade e com as suas próprias equipes. Há de se entender que, de alguma maneira, o primeiro benefício que isso proporciona para as partes envolvidas é o fato de você poder gravar as imagens dessa interação e tê-las disponíveis para uma potencial disputa judicial que porventura venha a ocorrer, na qual as imagens certamente funcionarão como mecanismos de prova e de evidência bastante significativo. Obviamente que a decorrência disso é o fato de que, para os policiais, isso pode funcionar como um mecanismo de proteção, obviamente seguindo os protocolos adequados definidos pela instituição e para a própria população, também, que tem a certeza de que tudo aquilo que está sendo gravado poderá ajudar, de um lado, a própria comunidade, no sentido de identificar onde podem estar as necessidades de melhoria por parte das organizações policiais, como, também, por parte das próprias instituições, ao identificar onde os seus protocolos precisam ser aperfeiçoados. Isso tudo gera confiança entre os membros da população em relação à polícia, tende a melhorar e nós acreditamos que, se, insisto, se houver protocolos adequadamente estabelecidos, certamente essas câmeras poderão funcionar como um mecanismo acessório e de natureza positiva para o trabalho policial.

ANFITRIÃO 4:28

Entendes como um risco para a implementação exitosa destes equipamentos, o discurso de que elas se prestam mais para punir policiais em vez de protegê-los?

CONVIDADO 4:42

Do mesmo modo que eu entendo que as câmeras podem funcionar como um elemento bastante interessante e positivo na interação com a comunidade, é preciso ter em conta, também, que esses mesmos protocolos aos quais eu me referi, sejam capazes de trazer para os profissionais da segurança pública uma sensação de que não se trata de um mecanismo para puni-los e sim para protegê-los. Quando eu falo de punição é no sentido de estarem o tempo todo sob o monitoramento por parte da instituição e, inclusive, invadindo em determinados momentos a própria intimidade desses profissionais, o que certamente faria com que o uso desses equipamentos fosse inibido e, de forma bastante veemente, não fossem aceitos com facilidade! Portanto, essa ideia de que as câmeras podem funcionar como um mecanismo de punição, inibição e monitoramento dos profissionais de segurança pública, ela está sim, presente no discurso daqueles que utilizam esse discurso para rechaçar a possibilidade de uso das câmeras e que precisa ser levado em conta no processo de tomada de decisão pelas instituições! Há de se mostrar aos profissionais, através de importantes processos de capacitação e treinamento, importantes mecanismos de esclarecimento para os profissionais que a ideia é efetivamente adotar um equipamento que funcione como mecanismo de proteção para eles e para todos aqueles que estejam em processo de interação com os profissionais. Obviamente que, quero insistir, os protocolos são essenciais para que se demonstre aos profissionais da segurança pública que não se trata de um mecanismo de punição, ao contrário! Mas, para que isso ocorra, isso tem que ficar muito claro, insisto, nos processos de capacitação e treinamento desses profissionais e no próprio processo decisório das instituições, que vai revelar, nessas decisões decorrentes, qual é o efetivo objetivo na utilização desses equipamentos. É importante que os profissionais de segurança pública tenham a certeza que é um mecanismo que vem para somar ao seu trabalho policial e não para criar mecanismos de inibição na atividade que ele tem que desenvolver. Isso implica protocolos claros, protocolos objetivos, protocolos que atendam as perspectivas legais de maneira plana, sem tirar do policial a autonomia que necessariamente ele tem que ter no exercício da sua atividade, obviamente, seguindo os limites da legislação.

ANFITRIÃO 7:50

Podes nos relatar as principais diferenças, comparando os experimentos com câmeras corporais em outros países e no Brasil? Quais são as experiências internacionais que podem servir de referência para o nosso país?

CONVIDADO 8:08

Eu diria que a principal diferença que ocorre entre o Brasil e os demais países que vem servindo de referência na aplicação das câmeras corporais nos departamentos de polícia, está na recenticidade. Nós estamos falando de países que vêm discutindo a questão do uso das câmeras corporais na polícia há mais de uma década. Nós temos estudos bastante robustos, realizados há uma década aproximadamente, que indicam, no caso dos Estados Unidos, por exemplo, impactos positivos bastante importantes no trabalho policial, principalmente a redução do uso da força e na melhoria da qualidade da interação com a comunidade. O Canadá, por outro lado, por exemplo, regulou a utilização, assim como a Inglaterra, também, regulou a utilização dessas câmeras pelos policiais de maneira bastante objetiva e de maneira bastante clara, de modo que não há dúvida de quais são os limites que devem ser

que devem ser observados na atuação dos policiais durante seu serviço. No caso brasileiro, como eu disse, é recente essa discussão e, ainda, carece de bastante estudo para poder avaliar os impactos nas comunidades brasileiras quando comparadas com outras sociedades. Isso implica que experimentos sejam feitos, que estudos longitudinais sejam feitos, coisa que já vem sendo feita em outros países, entre esses, os que eu citei, de modo que eles já tenham uma percepção mais clara de como funciona esse tipo de tecnologia na atividade normal, regular das polícias. No Brasil, isso não é muito claro, mas temos muito poucos estudos e estudos que não são considerados estudos robustos, do ponto de vista metodológico, que permitam fazer afirmações a respeito de quais são os impactos dessa tecnologia sendo utilizada nos departamentos de polícia brasileiros.

ANFITRIÃO:

Há divergências entre diferentes instituições brasileiras quanto ao uso das câmeras corporais? Em caso afirmativo, por que isso ocorre?

CONVIDADO:

Sim. Nós temos observado algumas divergências em relação à aplicação desses equipamentos em diferentes organizações policiais brasileiras, sejam essas divergências ou diferenças relativas a aspectos tecnológicos e, principalmente, com relação ao acionamento da câmera. Recentemente, essa discussão veio a tona, alcançando até o próprio Judiciário, alcançando regulações em nível nacional por parte do Ministério da Justiça, mas, isso ainda é uma questão que está sob discussão em vários estados. Tem estados, inclusive no Brasil, que ainda não entenderam por adotar esse equipamento, por achar que ele não agrega efetivamente melhoria ao serviço policial. Então, há divergências, sim, importantes! Como nós somos 27 estados, possivelmente a gente pode ter 27 visões diferentes a respeito da utilização dessas câmeras. Temos vários estados no Brasil iniciando o processo de avaliação desses equipamentos, consequentemente, o resultado dessas avaliações é que vão definir mais precisamente como cada estado, como cada departamento de polícia, como cada polícia militar ou polícia civil, guarda municipal, ou seja lá qual a instituição que venha adotar isso irá, efetivamente, utilizar essa tecnologia. Mais recentemente, como eu já anunciei, o Ministério da Justiça produziu um documento que ele orienta e recomenda alguns níveis de padronização na utilização por parte de estados e instituições que queiram fazer uso do Fundo Nacional de Segurança Pública. Isso pode ajudar no processo de convergência de padrões no Brasil. Mas, quero insistir, isso ainda é um tema que está sob discussão em vários estados e nós ainda veremos, nos próximos um ou dois anos, bastante discussões a respeito de como isso deve ser empregado e como cada instituição irá empregar essa tecnologia.

ANFITRIÃO:

Quais são os desafios práticos na implementação destes equipamentos no contexto brasileiro?

CONVIDADO:

Eu diria que nós temos alguns desafios bastante importantes para utilizar essa tecnologia de câmeras corporais de maneira plena! Esses desafios encontram-se no campo tecnológico, no próprio campo operacional, no campo financeiro, em função de disponibilidade de recursos para aplicação disso, no importante campo cultural, que é um dos campos, talvez, que produza algumas dificuldades de implementação e, finalmente, no campo legal, em que a legislação tem que deixar muito claro como é que o uso dessa dessa tecnologia vai ser inserido na sociedade brasileira! Do ponto de vista tecnológico, nós temos que pensar em duas coisas. Primeiro: quais são os equipamentos efetivos que podem ser utilizados nas organizações e policiais brasileiras, de maneira que se otimize e maximize os recursos que serão empregados. Tecnologias de câmeras corporais, nós temos de várias marcas, oriundas de vários países! Obviamente, isso deverá ser objeto de processos seletivos licitatórios para fazer a aquisição, mas, é preciso que se tenha muito claro os padrões tecnológicos que precisam ser atendidos para que nós possamos ter equipamentos que respondam adequadamente ao que se espera deles e que corresponda aos recursos investidos! O segundo aspecto é aspecto estrutural, que nós temos que, também, tratar dele, já que não basta comprar câmeras corporais e colocá-las nos policiais em serviço nas ruas! Nós precisamos ter em conta que esses equipamentos produzem imagens, produzem dados e esses dados têm que estar armazenados em algum lugar! Portanto, há necessidade de uma infraestrutura adequada para que esses dados sejam, primeiro; capturados com boa qualidade e, segundo; armazenados também com qualidade, em uma infraestrutura que seja capaz de mantê-los pelo tempo necessário, a fim de que se possa atender, possivelmente uma cadeia de custódia que sirva de maneira ótima aos processos decorrentes, seja de investigação, sejam processos judiciais. Por outro lado, nós temos que pensar que essa tecnologia tem que se integrar a outros sistemas das organizações. Não basta simplesmente capturar a imagem e armazenar! Ela tem que servir a propósitos diferentes, como eu disse, investigação, processo, tomada de decisão, processos judiciais. E para isso, elas precisam ser capazes de se integrarem ou serem integradas a outros sistemas institucionais que delas necessitem! Um outro aspecto importante é o aspecto financeiro. Obviamente que esses equipamentos não são equipamentos baratos e, além de não serem baratos na sua aquisição, também não são baratos na sua manutenção. É preciso ter em conta que, uma vez adquiridos esses equipamentos, é preciso ter equipamentos de reposição e é preciso, no momento em que um equipamento desse venha a falhar por razões diversas, ele seja substituído o mais rapidamente possível e continue produzindo o resultado que se espera. Portanto, o investimento para isso não é investimento baixo, precisa ser muito bem planejado dentro do contexto orçamentário da instituição que vai adquirir a tecnologia, pensando, não no agora, mas, pensando no agora e no depois, porque, insisto, existem dois momentos: o momento da aquisição e o momento da manutenção! Do ponto de vista cultural nós já, em alguma medida, já tocamos nessa questão, que é essa desconfiança que muitos policiais ainda têm em relação ao propósito do uso da câmera corporal por parte da instituição! Ela está efetivamente sendo adotada para ajudá-lo no seu trabalho ou para monitorar o serviço que ele está desenvolvendo, colocando, obviamente, sob desconfiança a qualidade do trabalho que ele desenvolve? Obviamente que, tanto na utilização das câmeras, como no desenvolvimento do trabalho policial, nós estamos falando de capacitação! Capacitação e treinamento contínuo, de maneira que os protocolos, seja no uso da câmera, seja na atividade policial, sejam devidamente seguidos! Portanto, é importante que a questão cultural seja superada dentro das instituições com muito treinamento, com muito diálogo, com muita clareza, com muita objetividade, para que não nasça daí uma total desconfiança dos policiais, que pode inibir o uso adequado desses equipamentos. E, por fim, aspectos legais, porque nós estamos falando também de captura de imagens em interações dos profissionais de segurança pública, seja com a comunidade, seja com as suas próprias equipes. Existem mecanismos de privacidade -nós temos a Lei Geral de Proteção de Dados, que protege os dados individuais das pessoas e, disso, não estão fora os profissionais de segurança pública-obviamente que, com as exceções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados, todo o resto que é capturado está sob a proteção dessa legislação, exceto nos casos que sirvam à segurança pública, efetivamente, e a investigações criminais. Todo o resto, que não está dentro desse espectro, está protegido pela lei, não tem possibilidade de divulgação a não ser divulgação não autorizada e isso cria uma preocupação muito grande por parte da população e por parte das instituições, no sentido de proteger dados que precisam ser protegidos.

ANFITRIÃO:

Em que proporção a transparência e a prestação de contas da polícia podem ser impactadas pelo uso das câmeras corporais?

CONVIDADO:

Transparência e prestação de contas são dois fatores importantes quando um departamento de polícia define ou decide implantar a tecnologia de câmeras corporais. Porque o primeiro, caso a transparência, permite, através das imagens, você produzir evidências bastante significativas em relação às interações que são realizadas entre os policiais e a comunidade. Essas evidências são tão importantes tanto para a proteção do policial como para do cidadão em caso de investigações criminais, em caso de ações judiciais. De maneira que, ao disponibilizar essas imagens, é possível que, tanto num caso quanto no outro, você tenha elementos suficientes para poder elucidar o contexto em que determinada interação ocorreu e os resultados delas decorrentes, também. Com relação à prestação de contas, o famoso "accountability", obviamente que não há que se discutir com relação ao que esses equipamentos são possíveis de produzir! Estudos, já bastante robustos, têm indicado redução na má conduta de policiais e no próprio volume de reclamações das comunidades, dos cidadãos, em relação à conduta policial em mais de 50%! De modo que as câmeras produzem impactos, sim, na questão da transparência e da prestação de contas do departamento de polícia, da instituição policial, junto à comunidade, fazendo com que a comunidade possa, de alguma maneira, apoiá-la ou, de alguma maneira, requerer mudanças na qualidade da interação que se tem com a polícia e a comunidade.

ANFITRIÃO:

Quais são as preocupações éticas em torno do uso destes equipamentos e de que forma elas influenciarão na evolução dos treinamentos e da capacitação dos policiais?

CONVIDADO:

De algum modo, ao longo da nossa fala, nós temos tratado de questões que são também a natureza ética. Obviamente que as questões éticas se referem ao fato de que você está, enquanto policial nas ruas, gravando as suas interações com os cidadãos. E, nesse processo de interação, estão sendo armazenadas imagens que dizem respeito a aspectos relacionados à privacidade, relacionados à não discriminação dos indivíduos e, também, lembrando que tudo isso são dados das pessoas que estarão armazenadas em algum lugar. Portanto, o aspecto ético mais importante é: a segurança desse dado e a sua utilização estritamente segundo os ditames da lei! Fora isso, não é admissível a utilização dessas imagens, a não ser, obviamente, e aí também sob os ditames da lei, para fins de melhoria da qualidade do serviço policial, através de treinamentos e capacitação dos policiais! É óbvio que eu não posso deixar de usar imagens, por exemplo, em determinadas abordagens, num evento de treinamento e capacitação, exatamente para demonstrar como deve ser feito ou como não deve ser feita uma determinada abordagem, para te dar um exemplo. Então, assim, é preciso ter muito presente quais são as questões éticas - e aí eu estou falando de todos os policiais - quais são as questões éticas que estão envolvidas nesse processo. Caso contrário, se não houver esses limites legais e éticos, nós vamos ver imagens produzidas pelas câmeras circulando na internet a torto e a direito, o que obviamente, para além de não ser desejável, também se constitui em crimes, capitulado na legislação brasileira, relativos à privacidade das pessoas. Então, esse cuidado é o cuidado essencial que as instituições têm que ter, o que implica, obviamente, em que as tecnologias adotadas sejam capazes de produzir mecanismos de proteção dessa privacidade, de todos os envolvidos nas interações que essas câmeras, no final das contas, as imagens que elas irão capturar.

ANFITRIÃO:

Existe algum risco de as câmeras corporais serem utilizadas para monitorar indevidamente a vida dos policiais?

CONVIDADO:

É importante lembrar que os policiais, também, têm previsão de proteção da sua privacidade, como todo e qualquer cidadão brasileiro. Obviamente, que se houver por parte das instituições monitoramentos indevidos em relação à vida dos policiais durante o seu turno de trabalho, é preciso que isso receba a reprimenda necessária por parte das instâncias devidas. Essa preocupação deve ser uma preocupação constante na geração dos protocolos das instituições policiais, lembrando que os policiais, embora estejam a serviço da segurança pública, eles também são cidadãos como os demais, que têm uma legislação que tutela a sua privacidade, que tutela seus momentos, que devem ser devidamente respeitados. Então, é importante que as instituições tenham isso em conta todo o tempo, de modo que elas não criem mecanismos que tornem mais difícil a implantação dessas tecnologias e que elas sejam aceitas de maneira menos difícil por parte dos integrantes das corporações.

ANFITRIÃO:

Quais são os indicadores que consideras importantes para medir o sucesso do uso das câmeras corporais e como elas podem influenciar na construção de evidências em processos judiciais?

CONVIDADO:

Os principais indicadores adotados nos estudos que nós temos levantado de fora do país, tratam basicamente de redução do uso da força durante as ações policiais, a redução do número de reclamações da população em relação à polícia, a melhoria da qualidade dos serviços e dos protocolos e, consequentemente, a melhoria da percepção da sociedade em relação ao trabalho policial. Uma outra coisa muito importante em relação a isso é o fato de que, a partir dessa tecnologia, há uma coleta de imagens. Essas imagens funcionam como um mecanismo de melhoria da qualidade das evidências e, consequentemente, ajudam de maneira bastante significativa nos processos de investigação e nos processos judiciais. De modo que esses indicadores devem estar sendo constantemente avaliados para verificar se há efetivamente a redução dos índices, os quais a literatura especializada aponta como sendo resultantes da adoção dessa tecnologia.

ANFITRIÃO:

O combate à corrupção policial deve ser também um item relevante para a implementação do uso de câmeras corporais? Por quê?

CONVIDADO:

Obviamente, que a ideia de corrupção objetiva, ela, certamente, tem nas câmeras corporais um elemento bastante importante no seu monitoramento e redução, quando não, extinção, que, obviamente, o policial corrupto não vai se expor a uma câmera, a não ser que ele seja

monitorado de maneira não percebida por parte de um outro colega ou da própria população, através dos mecanismos que a população tem para gravar imagens. Agora, a corrupção subjetiva, ela é algo um pouco complicado de ser observado por parte das câmeras, porque obviamente o policial corrupto ele tem muito claro a preocupação com não ser observado, não ser monitorado, não ser apanhado em flagrante. Portanto, é relativa essa questão da corrupção policial, quando se tratando de tecnologia de câmeras corporais! Há uma inibição, sim! Ou seja, as interações desses policiais com os cidadãos em relação ao que nós chamamos de corrupção objetiva, certamente deixará de ocorrer por conta exatamente da gravação das imagens, mas ela não inibe aquilo que está por detrás dos bastidores e que muitas das vezes ocorrem sem que hajam câmeras protegendo ou monitorando a ação.

ANFITRIÃO:

Em que medida a integração a outras tecnologias de segurança pública podem contribuir para a agilização da implementação do uso das câmeras corporais?

CONVIDADO:

Como eu disse a você, a minha formação passa pelo estudo da integração de sistemas de informação em segurança pública. Eu sou um adepto pleno à integração de sistemas de informação! Eu entendo que a implementação das câmeras corporais nas organizações policiais, ela passa a ser mais um item a ser integrado em todo o complexo de sistemas de informação que são hoje adotados pelas instituições e que produzem dados de maneira regular. Portanto, integrar essas tecnologias -câmeras corporais e tantas outras que já estão disponíveis nas organizações policiais- é condição "sine qua non" para que nós tenhamos sistemas robustos de informação e que permitam com que você tome decisões mais informadas, que você desenvolva processos de prevenção criminal mais eficientes, que você produza investigações mais robustas, que levem efetivamente à resolução dos casos, e que você tenha processos judiciais totalmente informados. Portanto, integrar tecnologias da informação é essencial! Eu não vejo outro caminho!

ANFITRIÃO:

Caminhando para o final de nossa conversa, Mestre, apresento minha gratidão pelos esclarecimentos e deixo este espaço para suas considerações finais. Grande e fraterno abraço!

CONVIDADO:

Na verdade, quem tem a agradecer sou eu pela oportunidade de conversar sobre temas que são do meu interesse e, obviamente, nós estamos numa conversa que é muito abrangente, muito generalista e consequentemente, não tenho como entrar em detalhes muito técnicos a respeito dos assuntos que foram tratados nessa nossa conversa, especialmente em se tratando de campos corporais, porque nós podemos fugir desse tema adotando uma postura extremamente técnica, que não é o caso aqui. O que eu entendo é que nós tivemos a oportunidade de mostrar o quão é importante pensar nas câmaras corporais como um mecanismo que ajuda no processo de prevenção criminal, que ajuda no processo de melhoria da qualidade do serviço policial para a população. Isso, evidentemente, é um passo bastante importante para melhorar a segurança pública no Brasil como um todo. Mas, ainda, reitero a necessidade que nós temos no Brasil de estudos muito mais profundos, muito mais complexos, muito mais robustos, a respeito do impacto dessa tecnologia, em especial, no universo da segurança pública brasileira. Ainda há muitas perguntas a serem respondidas. Ainda há muitas dúvidas por parte dos tomadores de decisão em relação a adotar ou não adotar. Ainda há uma preocupação muito séria por parte dos policiais em relação ao propósito da implantação dessas câmeras nas instituições. E, no final das contas, a gente precisa demonstrar para a população de que, ao adotar essas tecnologias, nós estamos de fato tomando decisões que vão melhorar a qualidade da segurança pública no Brasil. De modo que eu agradeço a oportunidade de ter explanado um pouco a respeito disso. Me coloco à disposição até para um aprofundamento maior, tecnicamente, a respeito do tema e eu espero que os seus ouvintes tenham aí um interesse mais aprofundado por entender como essa tecnologia efetivamente poderá ajudar as organizações policiais e a população como um todo a melhorar a segurança pública brasileira.

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes, este foi mais um episódio do HextraMuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, conversei com Nelson Gonçalves de Souza, Coronel Reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, Especialista e Pesquisador em segurança pública, abordando sobre o uso das câmeras corporais por policiais no Brasil. Saiba mais sobre o tema acessando www.hextramurospodcast.com e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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About the Podcast

Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.