Episode 85

SISTEMA PRISIONAL: A ÚLTIMA FRONTEIRA DA SEGURANÇA PÚBLICA. PARTE I

Neste conteúdo, aprofunde-se em temas relevantes sobre segurança pública, tecnologias de combate ao crime e gestão penitenciária. A primeira parte de um diálogo aprisionante com Fabiano Bordignon, um dos mais experientes e respeitados profissionais da segurança pública no Brasil.

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Transcript

ANFITRIÃO 0:16

Honoráveis ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! No conteúdo de hoje, nosso convidado é o Delegado de Polícia Federal Fabiano Bordignon, com o qual marchei em jornadas no Sistema Penitenciário Federal, quando ocupamos as direções de penitenciárias federais e, posteriormente, na gestão do então Departamento Penitenciário Nacional, quando ele assumiu a Direção-Geral daquele órgão e me presenteou com a tarefa de inaugurar o cargo de Diretor da Diretoria de Inteligência Penitenciária, em dois mil e dezenove. Por óbvio, o universo prisional sempre se faz presente em nossas conversas e, por consequência, permeia este nosso encontro, tendo como título uma frase por ele tantas vezes repetidas: Sistema Prisional A Última Fronteira da Segurança Pública!

Meu irmão, dando lhe as boas-vindas e agradecendo pela disponibilidade e atenção em ilustrar este canal, peço que conte um pouco de sua caminhada na segurança pública e nos diga qual é a sua opinião sobre a relação entre criminalidade, segurança pública, tecnologia e fronteiras:

CONVIDADO 1:44

Saudações, meu amigo, meu irmão Washington Clark. É uma satisfação muito grande participar desse podcast, que fala sobre segurança pública, sobre sistemas prisionais! Eu sou Delegado da Polícia Federal. Comecei a carreira nos idos de dois mil e dois, trabalhando muito em regiões de fronteira, como Rondônia, Paraná e, atualmente, sou Delegado da Polícia Federal aqui em Foz do Iguaçu -a segunda passagem por Foz- em dois mil e quinze a dois mil e dezoito, fui o chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz e, agora, trabalho mais com as investigações aqui na região de fronteira e não com a gestão da unidade. Tenho uma certa experiência com o sistema prisional porque em doi mil e nove fui convidado para ser diretor da Penitenciária da cidade Catanduvas, onde atuei por dois anos. Depois, eu deixei a penitenciária e em final de dois mil e onze, regresso, volto para a unidade prisional para dirigir a unidade prisional também em dois mil e doze, dois mil e treze. Então, eu costumo dizer que eu sou um reincidente, duas vezes diretor de penitenciária federal! Tive uma experiência bem enriquecedora! E, o desafio que é a execução penal na prática, que a gente percebe muito que, o que a gente tem na Lei de Execução Penal -é uma lei importante e que tem grandes institutos-, mas, que por falta de investimento, basicamente, a Lei de Execução Penal, o sistema de execução penal no Brasil, acaba não se efetivando como deveria ser, como está na lei! Então, há uma distância muito grande entre o dever-ser normativo que está nas normas, que o legislador aprova e vota, com os necessários investimentos que nós deveríamos ter, mas não temos, relacionados à concretude, à execução, mesmo, das normas legais. Bom, relação entre criminalidade e segurança pública é uma relação direta! Quanto menos investimento na segurança pública, maior vai ser os índices de criminalidade, a sensação de insegurança! No Brasil, na minha visão, tem um sistema de segurança pública que ainda não pode ser considerado, na prática, um sistema! Nós temos ainda muitos problemas de articulação entre os órgãos de segurança pública, dentro dos três entes que formam o governo federal, governos estaduais e governos municipais. Tecnologia; é importante investimento, sempre, em tecnologia, porque a gente consegue potencializar mais a atuação das equipes de trabalho na segurança pública. E é importante a gente perceber, já está muito claro na na Lei do Sistema Único de Segurança Pública que a Lei 13.675 de dois mil e dezoito, que segurança pública é muito além, e vai muito além do que o trabalho importante, fundamental e digno das polícias! Então, segurança pública não se resume só na atividade das polícias! Na própria polícia, as polícias são, costumo dizer, são a ponta de lança da segurança pública! A segurança pública, desde mil novecentos e oitenta e oito, a nossa Constituição diz o quê? Que é dever do Estado! E, aí, não é o Estado enquanto ente da Federação, mas o Estado enquanto governo. Então, é uma responsabilidade tanto do governo federal, estadual e dos municípios, mas também, e aqui eu gosto de assentar sempre nisso, destacar isso, responsabilidade de todos! Então, segurança pública é uma responsabilidade tanto dos órgãos públicos quanto de todos nós, cidadãos. E, terminando aqui na tua pergunta, no aspecto de fronteira nós precisamos ter atenção cada vez maior com o policiamento e as ações de segurança pública nas nossas regiões de fronteira. O Brasil tem uma vizinhança grande com vários países. Se a gente for pegar a nossa fronteira terrestre, fronteira oeste, do nosso Brasil, nós compartilhamos limites com dez países e isso gera uma grande responsabilidade e uma necessidade grande de integração! Podemos destacar o programa de Proteção Integrada de Fronteiras, que vai dizer basicamente da necessidade de articulação tanto dos órgãos de segurança pública, também de defesa -como as Forças Armadas- e inteligência, mas congregar os esforços com os demais países para evitar que a criminalidade utilize dessas barreiras para proteger as suas atividades. Então, as polícias e os órgãos de segurança Pública precisam também superar as fronteiras burocráticas de soberania, às vezes entre países. E um grande exemplo disso, mundialmente falando, é a própria Interpol, que vem lá de mil novecentos e vinte e três e é, certamente na atualidade, pelo que eu saiba, a instituição internacional mais antiga que nós temos! Basta pensar que a ONU, por exemplo, é do pós segunda! Então, a Interpol vem congregando os esforços das polícias em todo o mundo.

ANFITRIÃO 8:08

Como o Comando Tripartite influencia a cooperação na fronteira Brasil, Paraguai e Argentina? Em que proporção ocorre a cooperação entre as forças de segurança pública nesta região?

CONVIDADO 8:23

Comando Tripartite é uma instituição de cooperação direta entre polícias, aqui da Tríplice Fronteira, que congrega o Brasil, Paraguai, Argentina e faz uma troca de informações que podem até servir para investigações policiais. Nós tivemos uma ação muito importante, recente, do Comando Tripartite, no caso da mega ação criminosa que aconteceu em Cidade Del Leste em dois mil e dezessete, e que o comando tripartite permitiu uma interação rápida entre as polícias, principalmente de Paraguai, Brasil -Polícia Nacional do Paraguai e a Polícia Federal Brasileira-, que é a Delegacia de Foz do Iguaçu, foi chamada pela Polícia Nacional paraguaia para fazer a perícia na casa que os criminosos alugaram e utilizaram por 30 dias antes da ação do roubo à empresa de transportes de valores em Ciudad del Leste e, a Polícia Federal, a partir da perícia no local, os peritos da Polícia Federal conseguiram identificar mais de centenas de sinais de DNA, de restos de DNA, que os criminosos deixaram na casa. E essa análise DNA do local da residência, com alguns suspeitos que foram presos, porque o crime é cometido no Paraguai e os criminosos fogem, em sua maioria, para o Brasil. Então, há uma perseguição, há troca de tiros, etc, e oito criminosos presos no dia seguinte à ação criminosa tiveram a sua relação com os fatos, consolidada a partir dessa análise de DNA que foi realizada no Paraguai. Então, o Comando Tripartite teve essa importância, e tem uma importância fundamental, porque nós temos que estabelecer cooperações entre as polícias, ponta a ponta, entre as "cidades gêmeas", por exemplo, e não burocratizar isso, na minha visão, ou condicionar a cooperação policial através dos órgãos centrais. Então, ao invés de ter que mandar um requerimento para Brasília, e Brasília mandar para Assunción, por exemplo, o Comando Tripartite faz a troca de informações entre Foz do Iguaçu e Ciudad Del Leste diretamente. É claro que isso é informado posteriormente. Então, como o Comando Tripartite funciona? Ele é instituído em mil novecentos e noventa e seis. Na fundação do Comando Tripartite, uma liderança muito grande da Argentina, porque a Argentina sofre em mil novecentos e noventa e dois e mil novecentos e noventa e quatro, dois atentados terroristas em Buenos Aires e percebe-se aí uma necessidade de maior integração entre as polícias, principalmente na Tríplice Fronteira, onde a gente tem uma grande confluência de etnias, de populações, de interesses legítimos comerciais e troca, tanto cultural quanto comercial, mas também, eventualmente, a ação de grupos criminosos. Então, o que antes era estranhamento e não havia tanto encontro entre chefes de polícia, muitos nem se conheciam, porque, basta lembrar que, em mil novenstos e noventa e seis os meios de comunicação não eram tão ágeis como hoje. Então estipulou-se, a partir de uma reunião entre os ministros da Justiça dos três países, que as polícias fossem e tivessem encontros regulares. Estipulou-se uma reunião pelo menos mensal, entre os chefes das polícias do Brasil, Paraguai e Argentina. E aí a Polícia Federal, por ser a polícia que representa Interpol no Brasil e que faz essa interface internacional, Polícia Federal acaba no lado brasileiro, presidindo essas ações. Atualmente, não é só a Polícia Federal que atua no comando tripartite, mas que coordena a delegação brasileira no Comando Tripartite é a Polícia Federal, mas também, faz parte, pelo lado brasileiro, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Federal e também a Agência Brasileira de Inteligência, que é convidada para as reuniões, também! No lado argentino, nós temos as quatro polícias argentinas, federais, a Gendarmeria, a Polícia de Segurança Aeroportuária, a Polícia Federal propriamente dita e a Prefeitura Naval. Então, são quatro que se revezam na coordenação da delegação argentina e do lado paraguaio, a Polícia Nacional do Paraguai, que atua. A cada quatro meses, as reuniões mudam de país. Então, Foz do Iguaçu, Ciudad Del Leste e Puerto Iguazú, nas cidades que sediam esse Comando Tripartite e, diariamente, são feitas trocas de informações, tanto de inteligência quanto de segurança pública entre as polícias e, a cada mês, realiza-se uma ata, onde essas trocas são registradas. Mais de 100, 200, 300, às vezes mais ainda, trocas de informações sobre pessoas, veículos, sobre atividades criminosas. Então, o Comando Tripartite tem essa grande pujança e é um grande exemplo de cooperação policial local entre cidades e principalmente aqui, no caso do Comando Tripartite, nas cidades que compõem a Tríplice Fronteira. O Comando Tripartite vem, então, com essas ações,desde noventa e seis. Eu, tive a oportunidade de fazer a minha dissertação de Mestrado em Fronteiras aqui, pela Universidade do Paraná e cujo tema foi exatamente o Comando Tripartite. Então eu consegui buscar as atas que originaram o Comando Tripartite, fazer uma busca histórica e um estudo de caso do caso da PROSEGUR, em dois mil e dezessete, que foi um grande teste para essa cooperação local. Inclusive as atas, mais de 300 reuniões desde mil novecentos e noventa e seis, demonstra outros episódios de cooperação em investigações, mas o mais recente, de maior vulto, foi o caso da PROSEGUR. O caso da PROSEGUR não seria resolvido se não tivesse a cooperação e fosse oportunizado essa troca: a Polícia Federal fazer perícia no Paraguai, subsidiar também a investigação do Paraguai, mas também, levar essas informações para os diversos inquéritos policiais que foram instaurados aqui em Foz do Iguaçu. Os criminosos foram sentenciados a penas altas, aproximadamente um ano e meio depois do ocorrido, e a prova robusta principal foi a prova, os "matches" positivos de DNA, que só foram possíveis pelo trabalho integrado das polícias de Brasil e do Paraguai, principalmente, mas também com participação das polícias argentinas dentro do marco do Comando Tripartite. E a PF, inclusive está tentando e busca disseminar esse modelo de cooperação policial direta, a partir de uma instrução normativa de final de dezembro de dois mil e vinte e dois, que cria e institui os Comandos e Cooperação Policial Internacional Direta de Fronteiras. Então, a Polícia Federal pegou essa expertise do comando tripartite do qual ela participa. A Polícia Federal participa desde a fundação e está buscando intensificar a formação desses comandos de cooperação em outras cidades de fronteira, como recentemente foi feito em dois mil e vinte e três, a instituição em Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, para que as polícias lá também troquem e se reúnam. Porque a primeira coisa importante nessas cooperações é o encontro! O encontro regular, a troca de informações, o conhecimento mútuo que vai gerando nesses encontros, a confiança que vai se estabelecendo. Então é importante praticar esses encontros para criar sinergia, quando há a necessidade de operações conjuntas. A dissertação sobre o estudo que eu fiz sobre o Comando Tripartite está disponível na internet e no site da Unioeste aqui do Paraná.

ANFITRIÃO:

Podes explicar o significado por detrás da expressão "Mais Brasil e menos Brasília"? E, em que medida a descentralização de recursos traria benefícios à segurança pública como um todo?

CONVIDADO:

Bem! A expressão "mais Brasil e menos Brasília" a gente pode entender, pensando até, inicialmente, na própria formação da nossa República Federativa. O Brasil tem uma formação nacional feita a partir de forças que centralizaram e deram integridade para o nosso território. Na época, com a Independência do Brasil, somos dos poucos países na América que não viram imediatamente uma república. O Brasil torna-se independente, mas, como Império e o Império foi importante para manter a coesão do nosso território. Por isso, uma das explicações do Brasil ter o território grande, ao meu ver é isso. Mas, também acabou gerando uma centralização política e decisória muito grande e com pouca autonomia para os estados, diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, que é a reunião de estados na formação de uma federação! O Brasil, a gente tem uma formação mais centralizada e, Brasília, às vezes, acaba, eu costumo dizer que, às vezes, é uma crítica construtiva: Brasília acaba por estar no centro do Brasil, um Distrito Federal, acaba criando certas barreiras! As pessoas, às vezes, em Brasília, não conseguem perceber o que acontece nas pontas! É um desafio de um país continental, ao meu ver, principalmente na área de segurança pública, a gente cada vez mais descentralizar as ações. Eu, tenho uma visão de municipalização da segurança pública. A gente não precisa ter apenas as polícias a nível estadual e federal. Nós precisamos transformar as guardas municipais em polícias municipais! Isso é interessante! Um modelo, por exemplo, descentralizado, que nós temos no mundo é o modelo norteamericano. E esse modelo norte americano chega ao ponto de não se saber ao certo quantas polícias nós temos nos Estados Unidos! Claro que gera um problema de coordenação, mas, quanto mais atores nós tivermos de segurança pública, e um dos principais, como eu já disse antes, a ponta de lança da segurança pública, são as polícias! Quanto mais polícias nós tivermos, melhor será a segurança pública, desde que haja um esforço de coordenação entre os entes federais, as polícias federais e estaduais e, o que eu acho importante também, municipais! Hoje não são polícias, mas, são muito perto disso! Muito próximos da atuação policial a atuação das guardas municipais. Então, "mais Brasil e menos Brasília" é aquele desafio de descentralizar as ações. Eu, às vezes, digo brincando, mas com alguma importância também, que a pior fronteira do Brasil, às vezes é Brasília! Porque, às vezes, o gestor em Brasília -eu trabalhei, tive o oportunidade de trabalhar em Brasília, dois mil e dezenove, dois mil e vinte, como Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional e acho que a primeira lição que ficou é assim: "eu não vou ficar aqui em Brasília, no ar condicionado, tentando fazer política na ponta". Então, o desafio que me coloquei, que também foi um desafio colocado pelo então ministro na época, de que eu fosse na ponta! Fiz inúmeras viagens! A cada semana, duas viagens para conhecer, para ir na ponta, ir nas unidades prisionais, perceber as dificuldades dos gestores. Acredito que eu tenha sido o primeiro Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, hoje, Secretaria Nacional de Políticas Penais, a ter sido diretor de unidade prisional! Então, eu sempre procurei incentivar a ação e dar estrutura cada vez maior de gestão, que acho que é importante e fundamental para os diretores das unidades prisionais nos estados delas. Enquanto Diretor-Geral, nós promovemos no departamento, pelo menos dois encontros entre diretores de unidades prisionais, encontros presenciais e diversas outras reuniões e encontros virtuais para estabelecer uma sinergia com os diretores. O diretor de uma unidade prisional é quem dá a direção, quem dá o caminho que os servidores, e também os presos, devem seguir! E, logicamente, esse caminho é um caminho constitucional, o caminho legal, previsto na Constituição, previsto na Lei de Execução Penal, mas, cuja liderança é a do diretor da unidade prisional! Então, esse exemplo de "mais Brasil e menos Brasília" é, realmente, de descentralizar! O grande desafio da segurança pública no Brasil é a gente ter um Sistema Único de Segurança Pública, que, ao invés de centralizar ações, descentralize principalmente orçamento, recursos para as pontas! As pontas sabem mais do que qualquer gestor que esteja em Brasília ou numa capital, as necessidades locais. Então, a gente tem que dar protagonismo para as regiões e, claro, ao órgão central, mandando recursos, fazer o trabalho de coordenação, de análise de resultados, etc, para ver como é que o time está jogando na ponta. Nós temos que aumentar os recursos dos dois grandes fundos federais de gestão da segurança pública, de políticas públicas, que é o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional, que são fundos, na minha visão, com pouquíssimos recursos, para o desafio que é e para o protagonismo que se deseja ter no governo federal nessa importante gestão da segurança pública. O Fundo Penitenciário Nacional já foi um fundo bilionário, chegou a ter dois, 3 bilhões de reais e, hoje, é milionário! Hoje, no fundo, a cada ano tem aí 300, 350 milhões de reais no Fundo Penitenciário Nacional, o que, na minha visão, é muito pouco para a realização, para dar concretude à Lei de Execução Penal, principalmente na construção de unidades, na realização de políticas públicas que passam por incremento de unidades prisionais. Temos que construir unidades, mas temos as penas privativas de liberdade que precisam ter investimentos e as penas restritivas de direitos também, que precisam, por exemplo, de investimentos em tornozeleiras, etc. Então, um esforço muito grande nesse lado de investimento! Se a gente não tem isso, pelo menos historicamente, no recurso necessário para fazer frente, para dar concretude, dar efetividade de realizar na prática, no mundo do ser, o dever-ser previsto na Lei de Execução Penal. Então, o esforço aqui, que é do órgão central, é de Brasília, mas também dos estados. Municípios participam pouco na questão da execução penal, mas também, podem participar, via patronatos, por exemplo, que podem até ser municipais, mas o esforço de execução penal deve ser governo federal e governo estadual, principalmente na gestão e construção de unidades para cumprimento de penas privativa de liberdade!

ANFITRIÃO:

Fabiano; de que forma as experiências na direção da Penitenciária Federal de Catanduvas e como Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, hoje, Secretaria Nacional de Políticas Penais, moldaram sua visão sobre o sistema prisional? Consideras como uma lacuna a ser preenchida na segurança pública a valorização também das polícias penais? Por quê?

CONVIDADO:

A experiência como diretor de unidade prisional, diretor da Penitenciária Federal de Catanduvas, foi muito enriquecedora e acabou propiciando o convite para ser Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Nacional, hoje, Secretaria Nacional de Políticas Penais, em dois mil e dezenove. Em dois mil e nove, assumi pela primeira vez a penitenciária de Catanduvas e, dez anos depois, a função mais desafiadora ainda, de ajudar na gestão do Fundo, no desenvolvimento de políticas públicas para o sistema prisional nacional e, não apenas, a questão federal, do sistema penitenciário federal, que é uma das diretorias do Departamento Penitenciário Nacional, na época. A experiência foi importante! Você foi um grande parceiro. Você, na transição, em dezembro de dois mil e dezoito, que propôs a criação inicialmente da Diretoria de Inteligência no Departamento Penitenciário Nacional, uma diretoria de inteligência que teria função, e tem a função, e exerce a função, de integrar, de congregar e de trazer informações, gerir essas informações e fazer conhecimento e segurança pública prisional, a partir dos dados coletados com as inteligências prisionais dos estados. O Depen não tinha isso antes de dois mil e dezoito. Nós tínhamos, na Diretoria do Sistema Penitenciário Federal, uma Coordenação-Geral de Inteligência, mas, que atuava de certa forma mais relacionada às as cinco unidades federais, com alguma interlocução com os estados, mas sem muita estrutura para isso. Então, a tua experiência como Coordenador-Geral da Inteligência do sistema federal com certeza nos ajudou! Depois, você vai para Minas Gerais, trabalha no estado, também, na execução penal em Minas. Certamente, você foi o grande pai dessa criança chamada Diretoria de Inteligência do Depen! Muito importante! Acho que foi uma das coisas mais importantes que nós fizemos e com o aval do então ministro da Justiça e Segurança Pública, que deu o aval e deu todo apoio para a criação, Sérgio Moro! Então, essa diretoria surge a partir de janeiro de dois mil e dezenove e continua em funcionamento. Isso é interessante! Uma política pública que é de Estado, não mais dependendo de governos! Foi muito relevante isso e, também, gostaria de destacar, nesse período, a grande satisfação de ter me manifestado, como Diretor-Geral do DEPEN, favoravelmente à criação das polícias penais, a partir da Emenda Constitucional 104 de dezembro de dois mil e dezenove. Então, no final de dois mil e dezenove, é aprovada a emenda constitucional que cria as polícias penais. Isso dá muito mais força na atuação dos antigos e guerreiros agentes prisionais, agentes penitenciários, que tornam-se, a partir de final de dois mil e dezenove, polícias! Isso aumenta também a segurança e a vantagem de que a Polícia Militar, que em alguns estados fazia a guarda das unidades prisionais, a guarda externa das muralhas, por exemplo, passa a voltar o patrulhamento nas ruas, que é o trabalho precípuo e mais relevante da Polícia Militar. Então, a criação da Diretoria de Inteligência, em janeiro de dois mil e dezenove, a remoção dos presos do PCC, em fevereiro dois mil e dezenove, para os presídios federais, que passam, a partir do dia 13 de fevereiro de dois mil e dezenove, a não ter mais o contato físico dos presos com os seus visitantes, fazendo com que impeça esse contato criminoso que havia durante as visitas com o contato físico e, em dezembro, nós temos a criação das polícias penais. Então, em dois mil e dezenove, na minha visão, a gente tem esses três grandes marcos estruturantes da parte prisional. Também, a lei do SUSP, dois mil e dezoito, deixa claro que segurança pública também é sistema prisional! O sistema prisional é a última fronteira da segurança pública! Porque a criminalidade organizada, as facções criminosas nascem a partir do que? A partir do descaso, da falta de investimento dos governos nas cadeias, nas unidades prisionais! Então, as grandes facções brasileiras nascem nos presídios, nas prisões, pela falta de estruturação, pela falta de investimento. Então, também, a melhora da segurança pública do Brasil passa necessariamente pelo incremento, pelo controle, pela ordem que deve ser estipulada nas unidades prisionais. Vejo ações importantes, como o bloqueio de celulares, com apreensão de celulares nas cadeias, com incremento de procedimentos tecnológicos, "body scan", Raio X, para que a gente tenha, cada vez mais, controle! Ter controle sobre as unidades prisionais, repercute na segurança das ruas! Quanto maior controle nas unidades, menor criminalidade nas ruas! Isso, também ficou muito claro em dois mil e dezenove, com a ação das forças de cooperação penitenciária nas crises que a gente teve, rebeliões em presídios no Ceará, no Amazonas, em que essas forças tarefas foram lá, colocaram mais fiscalização nas unidades e a criminalidade nas ruas diminuiu! Exemplo, também, da ação feita em Roraima, já em dois mil e dezoito, mas que continuou por vários anos, com diminuição da criminalidade, nesses estados e que as forças tarefas, as forças de intervenção, mas com o nome mais de cooperação, porque não se trata de uma intervenção federal nos estados, apenas uma cooperação, mesmo, nesses estados. Então eu acredito que essa experiência de integração e de cada vez mais percebermos as polícias penais como segurança pública, não há mais nenhuma dúvida sobre isso a partir de dois mil e dezoito, ao meu ver e, lembrando que, antes disso, em oitenta e oito, a Constituição já diz que a segurança pública é responsabilidade de todos! Então, já era a responsabilidade dos agentes penitenciários, mas, em dois mil e dezoito, com a lei do SUSP, isso fica mais nítido, porque o artigo nono da Lei do SUSP coloca o sistema prisional como integrante operacional do Sistema Único de Segurança Pública e, dois mil e dezenove, a criação das polícias penais deixa sem sombra de dúvida essa atuação da segurança pública.

ANFITRIÃO:

Como você se posiciona acerca do trabalho, ensino, religiosidade e família como pilares para a reintegração dos indivíduos privados de liberdade?

CONVIDADO:

Trabalho, ensino, a religião, família são fundamentais para oportunizar a reintegração da pessoa que está cumprindo pena! Mas, eu considero também, que a questão da reintegração, da reinserção da pessoa na sociedade, depende, claro, de ações do Estado, estendendo a mão, mas, principalmente a decisão, e aí a gente entra no aspecto de livre arbítrio, principalmente, do criminoso, para agarrar-se às chances e, realmente, se propor a voltar melhor para a sociedade! A execução, pena criminal tem a função de punir o criminoso, claro! Punição é o aspecto principal da execução penal, mas também, oportunizar condições para o retorno desse criminoso, desse preso para a sociedade! Isso, a gente tem nítido, já, na Lei de Execução Penal, no artigo primeiro, que fala da questão de efetivar o que está disposto na sentença, que é, basicamente, o tempo que a pessoa vai ficar com a sua liberdade segregada, mas também, condições para o retorno dessa pessoa. E, aí, a Lei de Execução Penal vai falar sobre as assistências. Nós temos várias assistências: assistência religiosa, por exemplo. Preso tem e merece receber uma assistência religiosa. Não pode ser impositiva sobre uma religião em si, mas, a assistência religiosa está prevista na Lei de Execução Penal. Da família, pela Assistência Social! Resgatar a família, às vezes, buscar esses laços de família que estão perdidos, às vezes, para o criminoso. A educação também é uma assistência importante! A educação permite trabalho na educação, assistir aulas, leitura de livros, etc, permite ao preso, inclusive, a remição, o desconto de parte da sua pena a partir da inserção nessas atividades educacionais. E o trabalho! O trabalho é uma super assistência! Merece, na Lei de Execução Penal, um capítulo à parte e o preso tem que ter realmente! Tem que trabalhar e estudar! Essa é uma das principais ferramentas para que é busque-se o retorno melhor desse preso! Agora, não depende só do Estado, depende do criminoso, da pessoa que está cumprindo pena querer voltar melhor! Eu, nas aulas de execução penal que eu leciono numa faculdade aqui de Foz, na UDC, eu sempre falo para os alunos: nós temos uma imagem bíblica da crucificação de Cristo, em que Cristo está do lado de dois ladrões e, um dos ladrões, pede perdão, se arrepende dos seus pecados, dos seus crimes e com isso vai para o céu, vamos dizer assim. Isso serve para nós em sociedade, para os livres, como também para os prisioneiros, para aqueles que estão presos, cumprindo pena. Estão cumprindo pena por crimes que cometeram! Então, eu também considero que a gente não tem que ter pena de executar as penas! As penas estão aí para serem cumpridas e executadas e, ao preso, deve ser oportunizado um retorno melhor para a sociedade e, dentro dessas possibilidades, eu vejo principalmente a religião! Eu visitei várias unidades prisionais no Brasil e em algumas eu vi o trabalho formidável de algumas religiões trazendo ensinamentos para os presos, principalmente relacionados a reflexão sobre os atos, sobre o que foram que eles fizeram para estar ali, da necessidade de perdão, de tentar melhorar. E a religião é importante para isso! Algumas unidades que eu lembro que tinham rádios comunitárias que passavam programação religiosa nas unidades prisionais. Acho relevantíssimo isso! E procuramos, na época, foi um período tanto curto no Departamento Penitenciário Nacional, praticamente um ano e meio, mas nós buscamos incentivar a assistência religiosa, tanto na parte familiar, muito importante os assistentes sociais que fazem esse resgate, as visitas de familiares e eu, em algumas unidades femininas que eu fui, eu percebi como a mulher, às vezes encarcerada, não recebe visita do marido ou do companheiro. É uma diferença das unidades masculinas, em que as mulheres vão lá com alguma frequência para visitar os parceiros, os companheiros, o que eu não vi muito nas unidades femininas! Então, o DEPEN, Departamento Penitenciário, a Secretaria Nacional de Políticas Penais e os estados devem, sempre, buscar o aprimoramento dessas assistências! O principal das assistências é o trabalho, para ocupar o preso, para dar uma formação melhor para ele na questão profissional, porque ninguém vai ficar preso para sempre! Ele vai retornar para sociedade e, todo esforço feito pelo Estado deve ser no sentido de melhorar esse retorno. Agora, passa também e, principalmente, ao meu ver, a questão da ressocialização, pela decisão do preso! Nós temos que criar boas influências no ambiente prisional para que que o preso volte melhor e não deixá-lo a mercê das facções criminosas nas unidades prisionais! Esse é o grande desafio que vem para o gestor: ocupar o preso com atividades de trabalho, com atividades de ensino, com um retorno gradativo da família e, também, a assistência religiosa que eu julgo como uma das mais negligenciadas, mas das mais importantes que a gente tem na nossa Lei de Execução Penal, como política pública.

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes, neste momento faremos um intervalo no qual convido-os para, no próximo episódio, prosseguirmos nesta aprisionante entrevista com meu amigo Fabiano Bordignon. Acesse os links de pesquisa em www.hextramurospodcast.com e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.