Episode 98

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Published on:

20th Sep 2024

ANALISANDO AS TENDÊNCIAS - ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS E IDEOLOGICAMENTE MOTIVADAS.

Na segunda parte da conversa com o policial federal MARCOS ROSSETI, continuamos a explorar as complexidades do crime organizado internacional, agora com foco nas novas ameaças emergentes e no impacto das tecnologias na era digital. Nesta jornada, compreederemos como o avanço da internet profunda, das criptomoedas e da inteligência artificial está moldando o modus operandi dessas organizações criminosas, discutiremos a interseção entre corrupção e crime organizado e como rastrear e desmantelar as estruturas financeiras que as sustentam.

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Transcript

ANFITRIÃO 0:14

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Na segunda parte da nossa conversa, continuamos a explorar as complexidades do crime organizado internacional, agora com foco nas novas ameaças emergentes e no impacto das tecnologias na era digital. O policial federal Marcos Rosseti prossegue na jornada de esclarecimentos, mostrando como o avanço da internet profunda, das criptomoedas e da inteligência artificial está moldando o modus operandi dessas organizações criminosas. Além disso, discutiremos a interseção entre corrupção e crime organizado e como rastrear e desmantelar as estruturas financeiras que sustentam essas atividades ilícitas. Meu caro, retomando a nossa conversa, quais são as novas tendências e modus operandi que caracterizam o crime organizado internacional na era digital e como os operadores de segurança pública e justiça criminal podem se adaptar para combatê-las?

CONVIDADO 1:40

Eu vejo duas grandes tendências. A primeira delas, ela se relaciona ao crime organizado transnacional, de motivação lucrativa. Muitas máfias de outros países têm se envolvido realmente com crimes digitais! Vou destacar aqui a máfia italiana, principalmente a ‘Ndrangheta, a Cosa Nostra, mas também a Sacra Corona Unita, com bastante atividade de natureza virtual, se envolvendo com operação de bitcoin, lavagem de dinheiro. Mas, também, temos bastante cartéis mexicanos, a máfia russa, principalmente a Solntsevskaya Bratva. E, além disso, outros grupos também presentes plataformas digitais. Vou dar um destaque maior aqui para as confrarias, as fraternidades, como eram conhecidas, aqui, as africanas, especialmente as nigerianas. E dentro delas, especialmente a Black Axe, que é aquele grupo criminoso que veio do Estado de Edo, no sul da Nigéria e se tornaram especialistas internacionais em crimes digitais, não só de estelionato amoroso, mas todo tipo de estelionato e fraude que se possa fazer na internet eles estão envolvidos! Estão espalhados no mundo! Existe uma grande comunidade de membros da Black Axe em outros países, mas não só eles, também, existem outros grupos. Os “Pirates”, os Bucaneers. Tem vários outros grupos também que se envolvem bastante! Nada disso, afinal, é novo! Já tem alguns anos que eles se envolvem com isso, mas, eles têm cada vez mais aprimorados esses mecanismos e, hoje, virou uma tendência global! Uma segunda tendência que eu vejo também, são os grupos de motivação ideológica. Eles têm utilizado muito a internet para recrutar pessoas, para criar conexões, para espalhar a ideologia deles. Isso é bastante presente hoje no mundo virtual. E o melhor jeito, na minha opinião, para que haja o combate dessa criminalidade pelos operadores de segurança pública, são iniciativas de análise estratégica. É humanamente impossível combater todo o crime da criminalidade que está surgindo na internet! Ela é muito vasta e não vai haver policial suficiente para combater tudo isso! Então, o que nós temos que fazer hoje em dia é otimizar os recursos que nós temos. E para isso, a receita é utilizar a inteligência estratégica! Eu acho que nós precisamos de órgãos de segurança pública que pensem melhor de como utilizar os recursos e fazer parcerias com a sociedade civil, principalmente com as universidades! Alguns países, como os Estados Unidos, eles fazem isso há muitos anos e aqui existem algumas iniciativas, mas ainda tímidas. É necessário que os policiais entendam profundamente o que precisa ser feito, qual é a dinâmica, quais os movimentos desses grupos criminosos. E, através disso, a gente consegue antecipar alguns atentados e alguns problemas contra a sociedade! Alguns golpes, fraudes contra a sociedade! Se a gente não utilizar esse tipo de trabalho, nós podemos até ter condições técnicas de combatê-los, mas, se nós não tivermos o conhecimento, não tivermos uma visão geral e uma visão específica do problema, nós vamos acabar atuando de uma maneira cega e isso vai ter um grande impacto negativo no combate ao crime! Então, eu vejo uma união entre várias partes da sociedade para combater esse crime! E eu vejo por algumas iniciativas no exterior para casos, por exemplo, de antissemitismo. E aqui, quando eu estou dizendo antissemitismo, eu estou me referindo só aos judeus, embora nós saibamos que quando você fala dos povos semitas, nós falamos não só dos judeus, mas também, nos hebreus, mas também nos árabes! Mas, eu estou usando aqui o conceito internacional, histórico, de antissemitismo, ou seja, que é só referente da discriminação contrária aos movimentos judeus, contrária aos judeus! Mas eu vejo vários organismos judaicos ao redor do mundo apoiando as forças de segurança pública e, através dessa colaboração, conseguindo criar uma dinâmica mais efetiva em seu combate. E eu acho que são excelentes iniciativas.

ANFITRIÃO:

Como o uso da Deep Web, criptomoedas, inteligência artificial e outras tecnologias impactam as atividades de crime organizado transnacional e como explorar essas ferramentas para investigações e ações de inteligência?

CONVIDADO:

O uso dessas tecnologias tem um impacto muito grande! Por quatro razões principais, eu acredito. Primeiro é o uso dessas ferramentas para divulgação de ideologia! E ideologia que, em muitos países, é proibida de ser divulgada. Por exemplo, os grupos neonazistas que utilizam a internet para expressar esses pensamentos de ódio, essas ideias de ódio. Em segundo, o financiamento, porque as pessoas que se identificam com esses grupos têm possibilidade de fazer doações ou de participar mais ativamente da vida financeira das organizações. Além disso, temos também, em terceiro lugar, a lavagem de dinheiro que as organizações utilizam, porque elas também arrecadam dinheiro de forma ilícita e elas precisam lavar esse dinheiro! E, por último, a divulgação de fake News! É um pouco mais do que só divulgação de ideologia. É atacar ideologias sem identificar a sua própria. Essas organizações criminosas elencam uma série de adversários e elas utilizam a internet como forma de proferir esses ataques aos organismos que as combatem. Eu acho que as melhores iniciativas de se combater vêm de duas ações. A primeira delas é aquela que está prevista na 12 mil, 850 -na Lei de Crime Organizado- que é a possibilidade de infiltrações de agentes de modo virtual. Eu acho que isso é um grande ganho e traz uma grande possibilidade para a polícia de acompanhar esse tipo de movimento. A segunda delas é a aquisição de ferramentas mais avançadas para rastreamento, por exemplo, de criptomoedas, mas também outras tecnologias e outras ferramentas que facilitem a atividade dos profissionais de segurança pública na área de inteligência artificial, acompanhar alvos na deep web e utilizar a inteligência artificial a favor das atividades que estão sendo feitas, das análises. Eu acho que esse é um caminho inevitável e que vai trazer grandes benefícios para as forças de segurança!

ANFITRIÃO:

De que forma a corrupção, em diferentes níveis do governo, facilita a proliferação do crime organizado internacional e quais medidas podem ser tomadas para promover a transparência, a prestação de contas e a responsabilização nas instituições públicas?

CONVIDADO:

A corrupção tem um papel fundamental! Nenhuma ORCRIM conseguiu alcançar altos níveis de envolvimento, em nenhuma parte do mundo, sem contar com um apoio de corrupção de agentes públicos! Mas, o conceito que eu vou usar aqui de corrupção é diferente no nosso conceito legal. Eu vou utilizar aqui um conceito mais amplo de corrupção, que vários organismos internacionais utilizam. Corrupção, para esses organismos, é qualquer ato que, voluntariamente, prejudique as instituições democráticas. E o que nós vemos, então, é que certos atos, como por exemplo, a inércia, são atos de corrupção! Porque tanto a não adoção de políticas eficientes para se combater a criminalidade e, obviamente não eficientes, como também a escolha de pessoas, de responsáveis que não têm capacidade ou conhecimento para exercer aquela função, são indícios muito claros de um sistema que não está funcionando, de algo muito errado, de uma vantagem indevida que está sendo obtida de uma de uma maneira indireta. Nós vemos, principalmente, as grandes organizações criminosas internacionais que se infiltraram no sistema político de outros países, que uma das estratégias mais conhecidas é a mudança constante das lideranças responsáveis por qualquer combate da criminalidade. E isso parece ser uma medida que não causa nenhum espanto, porque faz parte do processo democrático se mudar, em que o governante tem a discricionariedade de nomear os indivíduos que vão tratar desse assunto. Mas, quando isso ocorre de maneira sistemática e sazonal, uma troca dessas lideranças com pouco tempo de exercício de trabalho, nós conhecemos bem as consequências! As instituições de segurança pública, elas ficam engessadas! Elas têm uma série de paradas cada vez que há essa mudança e isso causa um grande impacto e um grande prejuízo para as ações contra a criminalidade que estão sendo desenvolvidas! Então, as ORCRIMs que conseguiram se infiltrar e conseguiram ter algum nível de influência dentro do governo, elas consideram muito bem-vindas essa medida de se mudar constantemente os responsáveis.

Eu acho que nós temos uma lei, que é a LAI, que é excelente para o critério de transparência para a prestação de contas! Comparada com outras leis que eu já tive oportunidade de ler e estudar, por exemplo, a lei alemã, que trata sobre isso, eu acho nossa lei muito avançada e acho a nossa lei muito benéfica! Agora, quanto à responsabilização das instituições democráticas, realmente, isso é um conceito que nos foge. Eu não vejo as pessoas sendo responsabilizadas pelo seu tempo, cuidando de determinadas medidas de segurança pública absolutamente ineficientes, com consequências que apenas aumentaram a criminalidade e com o fim do trabalho delas, isso se torna um legado sem dono, problema do próximo responsável! E isso deveria mudar! Duas estratégias que seriam muito bem-vindas para se impedir esses prejuízos, primeiro, seria cargos de responsabilidade de tratar com segurança pública com mandato fixo. Então, já existe um número fixo de tempo ou de anos que o indivíduo tem que permanecer naquele cargo, de forma que ele possa desenvolver um bom trabalho, porque em algumas ocasiões é preferível se ter uma liderança medíocre, mas que dê continuidade às atividades de segurança pública, que ter uma liderança brilhante, mas que tem muito pouco tempo ali à frente do órgão ou da instituição. E a segunda é a aplicação de conceitos de "compliance" dentro das instituições. As instituições me parecem muito despreocupadas com o segmento de regras e a avaliação de resultados. E existe ali uma certa pressão para que esses resultados sejam transparentes e sejam divulgados, mas, ao mesmo tempo, só números dizendo que houve um aumento de determinado combate, houve maior número de apreensão! Eles não são suficientes para se analisar profundamente como uma determinada instituição atuou por um período!

ANFITRIÃO:

Como as organizações criminosas internacionais lavam dinheiro e financiam suas atividades? Quais mecanismos podem ser utilizados para rastrear o fluxo de recursos ilícitos e desmantelar tais estruturas financeiras?

CONVIDADO:

Em relação às organizações criminosas de natureza ideológica, eu creio que há duas áreas que ganham destaque, que são tendências para lavagem de dinheiro. A primeira delas é o mercado imobiliário. Tanto a aquisição de imóveis como o desenvolvimento de projetos de construção. A segunda área seria jogos e apostas. Essas duas áreas eu dou destaque, mas, também dou destaque para a utilização de um mecanismo, uma técnica de transferência de dinheiro que vai ajudar nesse investimento nas áreas imobiliária ou de jogos. E essa técnica é uma técnica milenar que, a priori, era utilizada por imigrantes para transferir dinheiro para as famílias dela e depois acabou sendo desvirtuada para utilização por organizações criminosas. Essa técnica é a “HAWALA. O jeito mais fácil de explicar como funciona a “HAWALA” é por um exemplo: eu vou dizer que estou aqui no Brasil e sou de uma organização criminosa e quero transferir dinheiro para a Itália. Então, busco uma pessoa que trabalha como “hawaladar” e essa pessoa vai pegar aquele dinheiro que eu vou entregar a ela, vamos dizer que seja 1 milhão de reais e vai compensar esse dinheiro na Itália. Ou seja, eu dou 1 milhão de reais aqui para essa pessoa. Essa pessoa vai ligar para o comparsa dela na Itália e vai dizer que esse 1 milhão de reais que eu entreguei aqui deve ser entregue para quem eu escolhi na Itália. Na verdade, esse dinheiro não foi transferido! Houve só uma compensação. O dinheiro que estava aqui foi entregue a esse indivíduo da “hawala”. Ele ficou com esse dinheiro aqui. Ele fez uso desse dinheiro aqui e ele avisou à pessoa na Itália que deveria entregar o mesmo montante. E ela funciona, esse sistema, em duas vias: quando alguém na Itália quiser fazer a mesma coisa e mandar o dinheiro para o Brasil, ele vai usar o mesmo sistema! E, ao longo do tempo, essa técnica se sustenta porque eles cobram uma taxa que é inferior a uma transferência bancária internacional, mas a “hawala” permite que essa transferência seja feita com bastante dificuldade de rastreamento! Essa é uma técnica que era usada por imigrantes. Ela se popularizou muito no Oriente Médio! Depois, na África, e passou a ser utilizada por traficantes de armas, por grupos terroristas e, hoje, é utilizado por essas ORCRIMs de natureza ideológica para se fazer transferências de dinheiro entre um país e outro.

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Cooperação internacional, prevenção e educação, proteção de vítimas e testemunhas e o papel da sociedade civil são os temas reservados para a última parte desta preciosa conversa, no próximo episódio, com o policial federal Marcos Rosseti! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Acesse nosso website! Saiba mais sobre este conteúdo nos links de pesquisa e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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About the Podcast

Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.