Episode 139

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4th Jul 2025

AS DIMENSÕES SOCIAIS E ECONÔMICAS DA MÃO DE OBRA PRISIONAL.

Celebrando os três anos de atividades deste canal, disponibilizo o conteúdo repaginado da entrevista publicada em 22 de julho de 2022, com JOSÉ FÁBIO PIAZZA, à época, Diretor-Geral do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem-MG, explorando o tema: "Benefícios Sociais e Econômicos da Mão de Obra Prisional".

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Transcript
WASHINGTON CLARK:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!

nte em vinte e um de julho de:

A expressão mão-de-obra prisional refere-se ao trabalho realizado por pessoas privadas de liberdade em regime de cumprimento de pena, tanto dentro como fora das unidades prisionais. A utilização de mão-de-obra prisional traz benefícios tanto sociais quanto econômicos. Socialmente, contribui para a reintegração do preso, oferecendo-lhe oportunidade de trabalho e qualificação, além de garantir direitos como remissão de pena e remuneração. Economicamente, gera economia para os cofres públicos e benefícios para as empresas que contratam a mão de obra com menor custo e maior eficiência na produção. Diante desta introdução, Piazza, com as nossas boas-vindas, o recebo com gratidão pela sua colaboração e, requisitando sua apresentação, peço que indique como percebes a implementação de atividades laborais aos internos das unidades prisionais:

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Olá! Me chamo José Fábio Piazza Júnior. Estou no sistema prisional como policial penal desde noventa e sete, completando, esse ano, vinte e cinco anos de profissão! Passei em algumas unidades do estado como diretor. Já, há 11 anos, atuando no cargo, sendo, nesse momento, Diretor-Geral da Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, aqui em Minas Gerais. Sou formado em Gestão Pública, pós-graduado em Gestão Pública e acadêmico de Direito.

A questão do trabalho no sistema prisional e o uso dessa mão de obra é algo significativo e essencial para o desenvolvimento das atividades dentro da unidade prisional. Além da relevância e todo o preparo desse indivíduo para a reinserção social, bem como implicar a ele algumas questões de caráter, de responsabilidade, cumprimento de atividades, objetivos, planejamento de horário e trazendo a expectativa de prover sustento à sua família por meio lícito e proporcionando a esse indivíduo a possibilidade de deixar a vida criminosa.

WASHINGTON CLARK:

Quais as principais atividades laborais oriundas de parcerias e executadas no Complexo Penitenciário Nelson Gria e nas unidades prisionais vinculadas a essa regional?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Atualmente, as principais atividades laborais destinadas ao preso na 2ª RISP, que é a qual eu pertenço, aqui na Região Metropolitana da capital de Minas Gerais, é a atividade agrícola em algumas unidades; a atividade de manutenção predial; elétrica; hidráulica; pedreiro; pintura - que é a conservação desses ambientes -; a confecção de produtos manufaturados em ambiente de marcenaria; um pouco de atividade industrial com relação à montagem de placas eletrônicas e para controle de portões – abertura e esse tipo de motor -; sistema de freios de caminhões e, expressivamente na Nelson Hungria, onde estou, a gente tem também uma fábrica de bolas oficializadas pela Federação Mineira de Futebol, para uso profissional. Sendo essas, atualmente, as principais atividades, dentro delas o crochê e a produção de artes, que são quadros pintados no âmbito da unidade.

WASHINGTON CLARK:

Meu caro, explorando sua experiência e vivências na gestão de unidades prisionais, como enxergas a busca pela maior oferta de oportunidades de trabalho aos apenados, sob o ponto de vista da reinserção social destes e a possibilidade de melhorias das unidades prisionais?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Dado o período de vivência no sistema prisional, a gente percebe a relevância da atividade laboral! Essa atividade é hoje utilizada, inclusive, para manutenção de toda a estrutura física dessa unidade, capacitando o preso cada vez mais com diversos parceiros, possibilitando a ele viver situações diferentes e proporcionando atividades socioculturais a fim de trazer um arcabouço maior de conhecimento e de controle emocional para esse indivíduo. Essas parcerias com empresas privadas também são fundamentais, porque aí a gente já traz aquela expectativa de possibilidade de prover sustento ao familiar e etc. E isso trata-se de, no nosso contexto, ferramenta oportuna e, por que não, essencial para que esse indivíduo possa voltar ao seio da sua família transformado e totalmente diferente do que chegou no sistema prisional.

Então, a gente vê um processo evolutivo no decurso dos anos, onde não se investia e não se tinha prospectada essa possibilidade de utilização da mão de obra do preso, em que a gente tinha anteriormente, há cerca de vinte anos atrás, unidades prisionais com formato de praticamente masmorras, onde esse indivíduo, de fato, ficava totalmente segregado, saindo da cela somente para o banho de sol, alguns atendimentos, os quais a gente tinha só como essenciais e, hoje não; já com uma equipe multidisciplinar fazendo todo o acompanhamento desse indivíduo, dado ao fato de ter oportunizado ele o trabalho. A atividade de trabalho vem realmente para transformar o sistema prisional e realmente trazer à tona o modelo que hoje é preconizado a nível nacional, que é o modelo de ressocialização.

WASHINGTON CLARK:

Piazza; o indivíduo privado de liberdade ao qual é oportunizado o trabalho, apresenta comportamento diferenciado em relação aos ociosos? Que registro fazes no tocante à produtividade desses internos?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

É uma percepção de transformação do comportamento desses indivíduos que laboram e, dentre elas também a gente nota a diferença de perfis comportamentais entre os presos que laboram dentro da unidade prisional e os que laboram fora. A primeira coisa que eu acho que é similar entre os dois é um alto índice de produtividade! A gente alcança índices melhores do que trabalhadores comuns, que não são vinculados ao sistema prisional! E, nesse caso, os presos que estão em trabalho externo, que trabalham fora da unidade prisional em diversas empresas privadas, a questão comportamental é o que a gente mais percebe. Esse indivíduo é mais disciplinado! Ele tem alta responsabilidade com as atividades laborais e, realmente, ele demonstra e fica evidenciado uma relevância e uma transformação nessa questão de disciplina, comportamento e produtividade!

WASHINGTON CLARK:

Qual a relevância da implementação de atividades laborais nas unidades prisionais por meio de parcerias com o empresariado no contexto da missão do sistema prisional de devolver indivíduos aptos à reintegração à sociedade?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Falando um pouco de relação entre inclusão social e inserção, o que a gente percebe é: quando se implanta um processo de trabalho no indivíduo já no cárcere, no interior da unidade, a gente começa a resgatar esse indivíduo, todo o seu contexto social e a percepção dele de quão importante o trabalho dele é para um contexto social, já dentro da unidade. E esse processo é importantíssimo, porque ele já vai preparando o segundo processo que a gente vai entender como reinserção, haja vista a continuidade desse trabalho em virtude de toda a questão do processo de execução em que a maior parte dos indivíduos progridem para regimes mais brandos e com isso tem a oportunidade de exercer o trabalho, mesmo estando ali, ainda, naquela fase de regime semiaberto com benefício de trabalho externo, ou seja; aberto mas em que ele está em semi-reclusão, porque ele tem que permanecer às noites dentro da unidade prisional. E esse processo de transição é algo que a gente entende fundamental! Além disso, o que a gente precisa de entender e tornar um pouco mais público são os benefícios que envolvem a contratação de mão de obra prisional por parte dos empresários. O custo dessa mão de obra é muito melhor do que do mercado de trabalho comum, tendo em vista não haver custas trabalhistas! No estado de Minas, propriamente, nós estamos falando de 3 quartos do salário mínimo, que é o custo de mão de obra para o empresário, sem ter que arcar com férias, afastamentos, décimo terceiro salário, fundo de garantia e uma série de situações que envolvem o trabalho em meio social regido pelo regime de CLT e, no caso, o trabalho e mão de obra do preso tem um regimento próprio por parte do próprio estado, em que se dá todo esse benefício a um empresário e, quando a gente fala de mão de obra interna, dentro de oficinas de trabalho ou empresas implantadas dentro do sistema prisional, o quesito, hoje, segurança, que é algo fundamental para o meio empresariado, dentro de uma unidade prisional, ele tem uma instalação extremamente segura e sem ele gastar nada com a questão de segurança, serviço de monitoração, seja o que for, necessário no meio externo para manter esse patrimônio! É extremamente interessante e relevante ao empresário aproximar-se desse setor público e das unidades prisionais com o intuito de desenvolver parcerias com o aproveitamento da mão de obra do preso!

WASHINGTON CLARK:

Na sua visão, Piazza, há terreno para o incremento da contratação de mão de obra carcerária hoje e no futuro? Aponte os desafios e indique respectivas soluções:

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

O que pode ser observado é que o terreno para incremento e contratação de mão de obra prisional - seja hoje, seja no futuro -, ele é extremo! São muitas as possibilidades! A gente tem uma população que tem facilidade de aprendizado. Que tem aplicação nesse contexto. Que quer, realmente, oportunidade! Talvez, não podemos citar aí 100% desses indivíduos, mas é a maior parte! Eu acho que nós estamos num processo evolutivo, em condições de, no futuro, termos unidades industriais no nosso estado, onde você tem galpões de indústria mesmo, processos finalísticos ou de toda a execução de produtos industrializados e que podem ser, certamente, todos feitos por indivíduos que estão presos. A visão futurística disso é de relevância! O desafio maior disso, hoje, seria essa conscientização do empresariado e o entendimento que nós somos um polo de mão de obra satisfatório, vantajoso, seguro, sério e bem interessante! Acho que esse é o nosso maior desafio! A solução, eu acho que é uma política pública transformada, em que vise realmente fazer a captação desse empresariado ou uma movimentação do terceiro setor para que esse empresário tome conhecimento de quem somos, como somos, para que a gente possa desenvolver. Acho que a solução passa por aí. Uma política pública e, que se não for uma política pública, com uma movimentação do terceiro setor a captar realmente empresários que estejam dispostos a investir e contribuir para esse processo de inclusão e reinserção social dos indivíduos apenados a nível nacional.

WASHINGTON CLARK:

Entendes como relevante a inclusão do preso e do egresso no mercado de trabalho? Quais os benefícios para a Segurança Pública?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Falando um pouco da relevância que envolve a inclusão do indivíduo preso e do egresso no mercado de trabalho, é algo sublime! Não vejo outra palavra para descrever! Porque a gente percebe, é notório, o processo de transformação desse indivíduo e o quão gera-se expectativas positivas e uma consciência social dele no sentido de entender que ele é responsável pela própria subsistência e de seus familiares e etc. A relevância desse ato, de todo esse processo de inclusão através do trabalho, ela é extrema! E com isso, a gente traz a questão dos benefícios da segurança pública, que hoje é um mal em nosso país, que nós estamos falando da questão de idas e vindas do indivíduo no sistema prisional. Isso é dispendioso ao Estado e a gente acaba virando uma faculdade do crime - por que não dizer - uma vez que a reincidência provoca isso no indivíduo: ele já não tem mais aquele primeiro impacto que envolveu a primeira pena cumprida e vai se transformando num indivíduo mais blindado e mais difícil de ser trabalhado, quantas vezes mais ele vem a reincidir criminalmente! Esse preparo, esse processo de inclusão e de reinserção, é fundamental para que a gente não tenha a reincidência criminal desses indivíduos! Atualmente, nós temos como principais parcerias a fabricação de bolas, a preparação de artigos eletrônicos, pintura de quadros - é a arte vinculada ao trabalho, acho fundamental! - a fabricação de itens de móveis rústicos e madeira bruta, brinquedos pedagógicos, oficinas de distração para criança com diversos brinquedos, parques. Dentre as principais atividades desenvolvidas temos um processo de reciclagem de isopor, que são as marmitas que hoje são fornecidas alimentação. A gente já tem também até esse contexto de consciência ecológica envolvida no sistema de parceria que atualmente temos aqui na Segunda RISP de Minas Gerais, sendo Contagem um desses municípios.

WASHINGTON CLARK:

De que forma o incremento de atividades laborais pode trazer benefício direto à unidade prisional e seus servidores?

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Eu entendo que o benefício direto para a unidade prisional é ter um ambiente menos tensionado, com indivíduos mais tranquilos, de alguma forma e, certamente, mais disciplinados, mais cientes do seu contexto, da sua importância, da relevância que ele tem para a sociedade e, com isso, a gente ganha com a saúde do servidor! O nosso servidor passa a estar, também, menos envolvido nesse processo, que é ferrenho, de pressões psicológicas, de nível altíssimo de atenção e tensão durante toda a sua atividade laboral! Porque a partir do momento que a gente tem uma população carcerária distensionada, tranquila e cooperativa, a gente vai ter também uma transformação do policial penal no sentido dele ser um indivíduo menos impulsivo e até mesmo menos estressado! Ele vai estar numa condição muito melhor e a gente passa a ter um ambiente muito mais harmônico, a partir do momento que a gente tenha cada dia mais incrementada a atividade laboral no âmbito das unidades prisionais.

WASHINGTON CLARK:

Marchando para o final de nossa conversa, Piazza, o parabenizo e desejo sucesso em sua jornada! Com os meus agradecimentos, deixo este espaço para suas considerações finais. Fraterno abraço!

JOSÉ FÁBIO PIAZZA:

Eu concluo, agradecendo a oportunidade de participação em um assunto de tamanha relevância para o contexto prisional e entendendo que todo o processo de inclusão e reinserção social vai passar e permear a questão do trabalho do indivíduo privado de liberdade nas unidades prisionais ou na semi-liberdade! Eu acho - assim como o processo de educação lá na infância e, por que não, na fase adulta, já no cárcere - tem tanta importância, mas o processo de trabalho também é de extrema importância para que esse indivíduo possa ser redirecionado e não culmine, novamente, nas questões de sair e estar sempre reincidindo e retornando ao sistema prisional! Essa reincidência no crime impacta diretamente e, muitas vezes, ela ocorre porque não se oferecem oportunidades a esse indivíduo antes de que ele seja liberto daquela pena que cumpriu. Acho que o trabalho é meio satisfatório e importantíssimo para que a gente possa evitar essa reincidência criminal!

WASHINGTON CLARK:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, disponibilizei a versão repaginada da entrevista publicada em quatro de julho de dois mil e vinte e dois com José Fábio Piazza, policial penal, à época Diretor-Geral do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, Minas Gerais, explorando o tema “Benefícios Sociais e Econômicos da Mão de Obra Prisional”. Acesse o nosso website e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.