SAÚDE MENTAL E O MUNDO DO TRABALHO DO POLICIAL PENAL FEDERAL
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Transcript
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!
No conteúdo de hoje, trago uma visão fundamental e reveladora sobre saúde mental, um tema que toca diretamente na qualidade de vida dos profissionais que atuam no sistema penitenciário federal e, por consequência, na eficácia das rotinas carcerárias e na segurança da sociedade. Nosso convidado é o policial penal federal Tiago Aloísio Lopes, autor do livro "Polícia Penal Federal, Saúde Mental e o Mundo do Trabalho", um conteúdo que explora com profundidade as pressões psicológicas e emocionais que os servidores enfrentam, abordando desde o impacto da rotina prisional até os desafios institucionais. Vamos descobrir juntos como sua pesquisa e vivência podem iluminar novos caminhos para a proteção e a valorização desses profissionais!
Tiago, é um privilégio tê-lo conosco! Muito obrigado por aceitar nosso convite para compartilhar sua experiência e conhecimento neste canal!
Dando-lhe as boas-vindas, peço que nos conte sobre como sua jornada pessoal e profissional o levou a explorar esse tema e escrever este livro:
Tiago Aloísio Lopes:Obrigado por me convidar para falar sobre um tema tão importante! Esta oportunidade é incrível de me conectar com o seu público e passar um pouco daquilo que já vivenciei.
Bom; a minha jornada no serviço público começou no ano de dois mil e seis, quando logrei êxito no concurso público para o cargo de agente penitenciário federal.
Posso dizer com orgulho que realmente ajudei a iniciar os procedimentos na Penitenciária Federal em Campo Grande, porque sempre trabalhei diretamente com os apenados. Como diz uma das expressões que usamos dentro do presídio, aquela expressão que fala: "realmente, eu trabalhei no fundo da cadeia!" Com isso, pude perceber o quanto os colegas de farda, os servidores da assistência e até os colaboradores adoecem, tanto fisicamente como mentalmente! Isso, de certa forma, sempre me causou um sentimento de inquietude, principalmente porque ninguém pesquisava sobre esse fenômeno! E vou dizer algo que pode até impressionar os ouvintes: tanto o órgão, como as demais instituições que estão sempre em contato com as Unidades Penais Federais, se importam mais com o bem-estar dos apenados do que dos servidores que trabalham nas Unidades Penais Federais! Veja bem; não estou dizendo que os apenados devem ser tratados de forma desumana ou violenta, mas estou somente passando aquilo que observei nesses anos! Até porque o senhor, Doutor Clark, já foi meu diretor e sabe a forma que trato os apenados, os servidores e os demais colaboradores, sempre com educação e respeito! Enfim, esses fatores me impulsionaram a realizar essa pesquisa.
Washington Clark:Quais são os principais fatores no ambiente prisional que impactam a saúde mental dos profissionais que atuam nesse contexto?
Tiago Aloísio Lopes:A má saúde mental é causada por uma interação complexa de fatores sociais, ambientais e, podemos dizer, até genéticos. Nos presídios federais em questão, entre os principais fatores que podemos citar estão a cultura organizacional, algumas regras e regulamentos, o baixo efetivo, o excesso de procedimentos, o risco de morte fora do ambiente prisional, em alguns casos, a omissão da gestão, em outros casos, o gestor não está devidamente qualificado para o cargo, a sensação de abandono, alguns colegas que estão doentes mentalmente que vão trabalhar e acabam deixando os demais doentes. Esses são alguns dos fatores. Na verdade, estar na prisão é uma experiência muito, mas muito difícil. E as pessoas não têm ideia!
Washington Clark:Como os profissionais podem identificar os primeiros sinais de desgaste emocional ou psicológico? E de que forma a instituição pode apoiá-los nesses momentos?
Tiago Aloísio Lopes:Normalmente, os principais fatores que a gente já identifica são alterações drásticas no sono! Mesmo que ele é plantonista, tem aquela dificuldade realmente de seguir um padrão de sono. Só que essa mudança é muito, muito diferente do que aquela que você sente quando você já está acostumado no plantão! É uma alteração realmente drástica do sono! Tem, também, uma alteração no apetite ou diminuição nos cuidados pessoais. Esse indivíduo, ele já não consegue nem realizar a higienização básica diária. Ele tem uma mudança muito rápida ou drástica nas emoções. Uma oscilação muito grande durante o dia. Sentimento depressivo começa a fazer parte do dia a dia dele. Ele tem uma maior irritabilidade, coisa que ele não tinha anteriormente. Ele acaba se afastando socialmente. Até interesse em atividades anteriormente apreciadas, que ele gostava, ele deixa de fazer! Ele deixa de praticar as atividades físicas que ele gostava, ele realmente acaba abandonando os esportes. Ele tem uma dificuldade em realizar tarefas familiares, tarefas básicas. Por exemplo; deixar de sair com a família, brincar com os filhos, cuidar da casa, dos animais domésticos, qualquer atividade que está relacionada à família que isso fazia parte da vida dele. Ele vai adquirir problemas de concentração, de memória ou pensamentos lógicos, não consegue concatenar ideias mais.Por incrível que pareça, pode ser observado em alguns casos, a sensibilidade aumentada a imagens, a sons, cheiro ou até mesmo a toque. Ele tem uma apatia muito grande. Acaba tendo um sentimento também que ele tem uma válida sensação de estar desconectado de si mesmo ou do ambiente, seja no trabalho, na comunidade ou familiar. Ele acaba adquirindo medo, uma desconfiança dos outros. É um medo atípico, coisa que ele não tinha antes. Tem um comportamento estranho, peculiar, coisas que os próprios familiares começam a perceber que ele não tinh, ou os colegas de trabalho também, no dia a dia você acaba conhecendo os seus colegas de trabalho. Aumenta nele o absenteísmo, ele piora o desempenho no trabalho, acaba tendo dificuldades nos relacionamentos com colegas de trabalho. Acredito que esses são os principais fatores. Então, se alguém começa a perceber que está caminhando para esse lado, realmente ele tem que procurar ajuda! A instituição, ela pode disponibilizar um profissional de saúde mental para fazer uma avaliação. Fazer parcerias com instituições de saúde mental, com universidades, para que esse servidor possa ser atendido. E após esse atendimento, ela pode providenciar os demais encaminhamentos quando for necessário. Ela pode trazer pessoas de fora ou até mesmo capacitar os colegas para criar palestras sobre doenças mentais, incluindo sinais e sintomas, porque muitos nem sabem disso! Ela pode fazer um apoio multidisciplinar na unidade. Ela pode também trazer estratégias para gerenciamento desse estresse. Criar espaços de descompressão, espaço para atividades físicas, tanto individual como em grupo, criar uma rede de monitoramento para aqueles que vivem com dados mais intensivos. O caminho é por aí!
Washington Clark:Na sua obra, você destaca desafios psicológicos únicos enfrentados pelos agentes penitenciários federais. Quais seriam esses desafios específicos e como eles se diferenciam daqueles vivenciados em outras áreas da segurança pública?
Tiago Aloísio Lopes:A própria especificidade do sistema penitenciário federal já traz grandes desafios. Porque se você parar para pensar, lidar com os detentos considerados de alta periculosidade, impedi-los de exercer influência sobre os demais detentos, isolá-los, impedir o máximo possível a sua comunicação e desarticular-los frente às suas organizações criminosas, já requer desses policiais penais federais, desses profissionais, um esforço psicológico e uma inteligência emocional ímpar, especialmente para aqueles que laboram diretamente com esses apenados! E eu, até, me arrisco a dizer que a luta para não ser um alvo fora do ambiente de trabalho é um desgaste imenso para nós, servidores! E essas especificidades, creio que não ocorre em outras forças de segurança pública! É claro que nós sabemos que todas as áreas de segurança pública têm seus riscos, guardadas as devidas proporções! Mas, dessa forma, a forma que esse agente, esse policial, lida, trabalha, é bem diferente das outras forças de segurança pública!
Washington Clark:Muitos profissionais da segurança pública enfrentam barreiras para buscar ajuda psicológica, muitas vezes devido ao estigma. Como você avalia esse cenário entre os profissionais do Sistema Penitenciário Federal e o que pode ser feito para superar essas barreiras?
Tiago Aloísio Lopes:Na minha concepção, isso está diretamente ligado com o arquétipo do herói, porque muitos policiais, quando eram crianças, queriam muito ser um herói! Eu acredito que ele leva isso inconscientemente para a vida adulta também, onde o policial acaba sendo visto como sinônimo de coragem, de superação e vitória sobre adversidades, que ele vai passar para a sua família, para a sociedade e para os colegas de trabalho. Ainda mais os policiais penais federais, que tem uma formação muito acima da média, se compararmos com a maioria das forças policiais porque, lá no curso de formação, já é forjado nele que ele está acima da média, que aquele curso são poucas pessoas que vão fazer, que ainda vai ter uma continuidade nessa preparação quando ele toma posse! Isso vai, cada vez mais, entrando na mente dele, vai forjando também ele como servidor, como pessoa. Então, nesse sentido, essa imagem que ele passa pode impedir muitos a buscarem ajuda. Afinal, como nós sabemos, a maioria dos policiais não quer passar a imagem de fragilizado ou doente, principalmente para a sua família! Imagine você, saindo fardado de casa; para o seu filho, você é o herói, para a sua esposa, para o seu vizinho, para os seus familiares. E, de repente, esse homem, essa mulher, está precisando de ajuda. Muitos não conseguem pedir ajuda com medo de passar uma imagem fragilizada. Isso acaba indo de encontro com esse arquétipo. Todavia, essa barreira pode ser superada quando ele reconhece e integra tanto seus aspectos luminosos quanto seus aspectos sombrios. Porque todos nós somos seres humanos, todos nós temos defeitos e qualidades. E esse indivíduo passa a entender que ele é um ser humano como qualquer outro e que em alguns momentos ele vai precisar de ajuda como qualquer outra pessoa.
Washington Clark:Que estratégias ou práticas você identificou como mais eficazes para que os servidores possam lidar com o estresse e preservar a saúde mental no dia a dia de suas funções?
Tiago Aloísio Lopes:Em primeiro lugar, sem sombra de dúvidas, o autoconhecimento! Porque ele traz só benefício para qualquer área da nossa vida. Entender como a gente funciona, seja no corpo físico, nos nossos pensamentos, nas nossas emoções ou sentimentos, só nos traz clareza para entender os nossos limites e ampliar as nossas capacidades. Assim a gente acaba conseguindo identificar com mais facilidade quando a gente está saindo do nosso padrão. Em segundo lugar, buscar ajuda o quanto antes, seja com profissionais, com os familiares, com os colegas de trabalho, porque somente assim esse servidor vai conseguir dar os primeiros passos para sair dessa situação que muitas vezes ele acha que é o fim do poço, mas com a ajuda, é possível sair, sim! É possível dar os primeiros passos! Em terceiro lugar, se afastar de colegas, de assuntos, de lugares, de vídeos que trazem sentimentos ou palavras negativas, pervertidas ou reclamações. Afinal, os doentes deixam os demais doentes! Eu costumo dizer no serviço que quando você se une com essas pessoas que tem a vibração negativa, com a energia negativa, você vai entrar nessa mesma vibração. E quando você menos esperar, você está doente como ele também! Aí é você que vai precisar de ajuda! Então, se afaste! Não é que você deixe de gostar do colega. Mas pelo seu bem, o bem da sua saúde mental, o bem da sua família, se afaste deles por um período. Não se misture! Em quarto lugar, e ter um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Isso é fundamental! Manter um equilíbrio saudável entre as demandas do trabalho e a vida pessoal é extremamente importante para a gente evitar o esgotamento e o estresse crônico. É o verdadeiro equilíbrio trabalho-família! Em quinto lugar, o bem-estar social. Ou seja; a gente tem que participar de atividades sociais, interagir com os outros e pertencer à comunidade é essencial para a saúde mental! Acredito que é esse caminho. Então, aqueles que, por exemplo, tocam, procurem um grupo de música. Aqueles que praticam a religiosidade, procurem uma religião. Aqueles que gostam de ler, procurem um grupo de leitura, mas não fique com a mente ociosa. Não fique com tempo ocioso. Procure algo para fazer. Procure sua tribo!
Washington Clark:Você acredita que as políticas institucionais atuais são suficientes para proteger a saúde mental dos servidores do sistema penitenciário federal? Quais mudanças estruturais ou culturais seriam indispensáveis para promover um ambiente de trabalho mais saudável e acolhedor para os policiais penais federais?
Tiago Aloísio Lopes:Infelizmente, não! Entretanto, começamos a dar os primeiros passos nessa direção, com a criação dos Núcleos de Saúde e Qualidade de Vida nas Unidades Penais Federais e na Sede. Até porque, ficamos muito tempo desamparados, abandonados! Se você conversar com alguns agentes, ele vai passar para você um sentimento de abandono, de descaso em relação à vida funcional dele. Por isso que algumas mudanças são necessárias, e a gente pode citar entre elas, ouvir o que os servidores têm a dizer. Pode aparecer até óbvio, mas não acontece, principalmente em relação às mudanças de regras e procedimentos, porque aqueles que sabem ou que serão diretamente afetados não são ouvidos! É incrível como a maioria dos gestores ainda comete esse mesmo erro ano após ano! Outro fator que a gente pode também citar é qualificar as nossas lideranças. Até porque, se esse servidor quis assumir a responsabilidade de liderar, então ele tem que se capacitar para fazer uma boa gestão. Atualmente, não há mais espaço para amadorismo, para "achismo" na administração pública! As coisas evoluíram. Ele não pode ficar parado no tempo. Estimular boas relações profissionais, tentar trazer para as unidades, para a Sede, uma forma de acabar com os conflitos internos. Precisamos também priorizar a comunicação, principalmente para os plantonistas, porque ele não está todo dia ali! Às vezes, acontece alguma coisa que a gente nem está sabendo, porque não foi divulgado. Hoje está fácil, porque tem vários meios de comunicação, entre eles o WhatsApp. A gente pode ser comunicado através dele, apesar que isso já está evoluindo muito! Por exemplo, a nossa unidade aqui na PFBRA utiliza-se muito o WhatsApp para passar algumas informações. Isso é uma grande evolução, coisa que a gente não tinha há alguns anos atrás! Outro fator que a gente pode também citar é oferecer benefícios. Basta a gente identificar quais os benefícios os servidores esperam receber. Converse com o servidor! Faça a enquete! Procure saber o que ele precisa, o que ele quer. Porque, às vezes, uma demanda na unidade em Campo Grande não é a mesma demanda em Brasília. E não é a mesma na Sede! A realidade é totalmente diferente!
Os servidores são diferentes! A cultura naquele local é diferente! Os internos, os presos são outros! A forma de trabalhar é diferente! A gente pode também criar uma cultura de feedback, e a gente não tem essa cultura de dar retorno. E, às vezes, quando a gente dá retorno, acaba que o colega se sente ofendido! Entender! Capacitar esses servidores para entender que não é nada pessoal! A maioria esmagadora das vezes não é pessoal! Você só está passando aquilo que aconteceu para que seja corrigida a rota, se estiver indo errado. Outro fator também é incentivar o cuidado com a saúde física e mental. Como eu disse anteriormente, já está evoluindo. Já estamos tendo os Núcleos de Saúde e Qualidade de Vida.
O último fator que eu acho interessante e importante é reconhecer as boas ações dos servidores. Aquelas boas ações, aquelas ideias inovadoras que trazem benefícios, que venham a somar, têm que ser reconhecidas e colocadas em prática!
Washington Clark:Meu caro, na alegria desse reencontro e caminhando para o final de nossa conversa, reitero os meus agradecimentos pela sua contribuição. Te desejo muito sucesso na propagação deste livro e na sua carreira. Uma honra ter marchado contigo. Deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!
Tiago Aloísio Lopes:Novamente, venho agradecer-lhe por essa rica oportunidade! E não tenho dúvidas que foi uma das mais importantes que tive nesse ano! Consegui passar um pouquinho, somente um pouquinho, daquilo que pesquisei. Espero, sinceramente, que o assunto aqui apresentado seja visto com mais atenção por parte das instituições policiais. Porque, infelizmente, é muito difícil conseguir levantar dados a respeito da saúde mental nessas instituições! É meio que cultural. Eles não gostam de fornecer dados. Até porque ninguém quer mostrar um lado que assombra muitos profissionais dessa área! Peço a você, ouvinte, que não hesite em buscar ajuda quando necessitar! Seja na sua instituição, seja com seus familiares, seja com seus colegas ou com profissionais privados! Porque entramos num período muito difícil, que vai exigir muito da nossa saúde mental e física! Então, cuide-se e apegue-se naquilo que te faz bem. Dr. Clark, novamente aproveito a oportunidade para renovar a estima e consideração que tenho pelo senhor! E que o Eterno possa nos abençoar com paz, amor, saúde, sabedoria e força! O meu muito obrigado! Até a próxima!
Washington Clark:Honoráveis Ouvintes, este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, conversei com Tiago Aluísio Lopes, autor do livro "Polícia Penal Federal, Saúde Mental e o Mundo do Trabalho". Acesse os links de pesquisa em nosso website e saiba mais sobre este conteúdo. Comente, inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!