Episode 96

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6th Sep 2024

CRIME ORGANIZADO E MERCADO AGRÍCOLA DE INSUMOS ILEGAIS.

O crime organizado expandiu sua atuação no mercado ilícito de agrotóxicos. Do contrabando, estruturado nas regiões de fronteiras e na falsificação, no Sudeste do Brasil, avança para a prática de roubos elaborados, fomentando a falsificação e a adulteração em estados no interior do país. Saiba mais nesta entrevista com NILTO MENDES, referência internacional no combate ao comércio ilegal de agrotóxicos.

Saiba mais!



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Transcript

ANFITRIÃO 0:14

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros. Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No episódio de hoje, vamos abordar um tema de extrema importância para a saúde pública, o meio ambiente e a economia: o mercado ilícito de agrotóxicos. Esse comércio ilegal, cada vez mais explorado pelas organizações criminosas, representa uma ameaça crescente que afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas, a sustentabilidade das nossas práticas agrícolas e a integridade dos nossos ecossistemas. Para nos ajudar a entender a complexidade desse problema e sinalizar soluções efetivas, recebo Nilto Mendes, uma referência internacional por sua atuação no combate à fabricação, importação e venda de agrotóxicos ilegais no Brasil.

Meu caro; honrado com a sua participação, dou-lhe as boas-vindas, agradecendo por ter aceitado o convite para abrilhantar este canal. Peço que se apresente e, também, conte um pouco sobre a CropLife Brasil:

NILTO MENDES 1:44

Saudações, Washington e ouvintes! Primeiramente, quero registrar que para mim é uma grande satisfação falar aqui neste canal! Atualmente, sou o responsável pela área de proteção de marcas e combate ao mercado ilícito de insumos agrícolas, especificamente, os agrotóxicos químicos, os biológicos e as sementes tratadas com esses insumos. Trabalho na CropLife Brasil, uma entidade setorial que representa as indústrias de biotecnologia, de sementes e germoplasmas, defensivos químicos e defensivos biológicos. Alcancei esta posição após 30 anos de serviço público, sendo os últimos 23 na Polícia Federal.

ANFITRIÃO 2:33

Quais são as principais ameaças do mercado ilícito de agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente?

NILTO MENDES 2:43

O mercado ilícito de agrotóxicos é um problema mundial e existente em todos os países com pujança na produção agrícola, de toda e qualquer cultura. Sabemos que os insumos químicos, por natureza, representam riscos se não forem corretamente fabricados, manuseados e utilizados. No caso dos agrotóxicos, são como muitos fármacos na medicina: a diferença entre remédio e veneno está na quantidade da dose, na composição e na correta utilização. Os insumos do mercado ilícito têm inúmeros contaminantes, concentrações de ingredientes ativos superiores àquelas autorizadas pelos órgãos de registro, tais como o Ministério da Agricultura, o IBAMA e a ANVISA. Além disso, o insumo oriundo do mercado ilegal não obedece aos preceitos de qualidade regulatórios. Suas concentrações elevadas, inúmeros outros contaminantes prejudicam o meio ambiente e apresentam graves implicações na saúde, tanto das pessoas como nos animais de criação e nos animais silvestres podem, inclusive, repercutir nos LMR, ou seja, nos Limites Máximos de Resíduos que a ciência considera seguros nos alimentos! A produção, o transporte, o armazenamento e a utilização de agrotóxicos são atividades extremamente reguladas para garantir a mitigação de riscos e potenciais danos à saúde humana, animal e ao meio ambiente, protegendo o trabalhador, o agricultor e os consumidores. No Brasil, temos leis específicas sobre agrotóxicos e sementes, especialmente as tratadas com esses insumos. Essa regulamentação rigorosa trouxe, e traz, segurança jurídica e de mercado, proporcionando ao Brasil se tornar um líder global na produção agrícola e pecuária.

ANFITRIÃO 5:21

Podes explicar as diferentes categorias de agrotóxicos ilegais listadas pelo Instituto Inter-Regional de Pesquisa sobre Crime e Justiça das Nações Unidas?

NILTO MENDES 5:35

É importante registrar que o Brasil é o único país do mundo que define pesticida como agrotóxico. Isso, contudo, não prejudica a classificação apresentada pelas Nações Unidas, segunda a qual todo agrotóxico ou pesticida produzido e comercializado fora da indústria regulamentada em um país específico é considerado ilegal no território deste respectivo país. Portanto, segundo as Nações Unidas, será ilegal todo agrotóxico ou pesticida que seja fabricado, comercializado e utilizado no país de sua aplicação sem registro nos órgãos regulatórios desse país. Também será ilegal aquele contrabandeado, pois, no país de destino, não é permitido, embora sua fabricação seja autorizada no país de origem. Será também ilegal aquele agrotóxico que passou a ser proibido em determinado país em decorrência de sua revisão regulatória. Estes, por exemplo, são denominados agrotóxicos obsoletos e, por isso, foram proibidos. Exemplificando, nós temos agrotóxicos que são ilegais no Brasil, mas não em outros países da América Latina. Há ainda os agrotóxicos falsificados, os adulterados, e aqueles oriundos do roubo e furto de produtos legítimos, que por isso passam para a categoria de ilegais, pois os agrotóxicos somente podem ser comercializados e utilizados na cultura ou plantação para a qual foram registrados. Os agrotóxicos químicos obtêm registro e autorização por tipo de cultura plantada, diferentemente dos agrotóxicos biológicos, que obtêm registro e autorização por alvo ou praga específica a ser tratada.

ANFITRIÃO 8:08

Qual é o impacto econômico do comércio ilegal de agrotóxicos no Brasil e no mundo?

NILTO MENDES 8:16

Considerando somente os agrotóxicos químicos, excluindo-se os biológicos e as sementes tratadas, estima-se um prejuízo econômico na ordem de 20 bilhões de reais somente no Brasil, o que representaria entre 20% e 25% do mercado total nacional. E, ainda, estima-se um prejuízo de 5 bilhões de euros, no mundo, o que representaria, em média, 15% do mercado global!

ANFITRIÃO 8:47

Como o mercado ilegal de agrotóxicos afeta o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade das comunidades agrícolas?

NILTO MENDES 8:57

O desenvolvimento econômico é afetado principalmente pela perda de arrecadação em tributos federais e estaduais, na ordem de aproximadamente 3 bilhões de reais. Mais de 40 mil postos de trabalho regulares são perdidos para o mercado ilegal de agrotóxicos. Temos ainda o potencial risco de embargos às exportações brasileiras de commodities agrícolas, que podem variar de 6 a 40 bilhões de dólares, conforme a cultura plantada. Por fim, temos um impacto social e direto na segurança pública, tanto a urbana quanto a rural, com um aumento significativo nas ocorrências de roubos e furtos de agrotóxicos em centros de armazenagem, durante o transporte de cargas, nas grandes propriedades rurais, como nas usinas de álcool e açúcar e em grandes fazendas pelo interior do país. Uma particularidade sobre a segurança pública no Brasil e que não há registro igual em nenhum outro país do mundo. Um exemplo foi o roubo milionário a uma fábrica regular instalada no estado de Minas Gerais. Este evento, ocorrido no ano de dois mil e vinte e três, teve participação comprovada de integrante de facção criminosa!

ANFITRIÃO:

Quais são os principais desafios regulatórios e de fiscalização enfrentados na luta contra o comércio de agrotóxicos ilegais?

NILTO MENDES:

Temos uma lei recente, a 14 mil, 785, promulgada nos últimos dias de dezembro de dois mil e vinte e três. Esta lei aprimorou o sistema regulatório brasileiro, inclusive, há uma parte que prevê crimes específicos com relação à fabricação, ao transporte, à armazenagem, comércio e uso de agrotóxicos e sob a obrigatoriedade de devolução de suas embalagens por parte do agricultor após o uso do produto. Os crimes, agora, têm uma pena mínima de três anos, com a máxima de nove anos e várias situações agravantes. Esperamos que este rigor nas penas, trazido pela nova legislação, contribua para as autoridades brasileiras, desestimulando a aceitação e nas práticas existentes no mercado ilegal, agindo diretamente na oferta e demanda pelos agrotóxicos ilegais.

ANFITRIÃO:

Como as diferenças regulatórias entre países, especialmente dentro de blocos econômicos como o Mercosul, dificultam o combate ao mercado ilícito de agrotóxicos?

NILTO MENDES:

A assimetria regulatória existente entre países da América Latina, mais especificamente dentro do Mercosul, tem uma relação direta com a oferta de produtos definidos como ilegais no Brasil e não ilegais nos países vizinhos. Vejamos o caso do herbicida denominado "Paraquat". Ele foi banido definitivamente no Brasil no ano de dois mil e vinte e um, porém, continua sendo fabricado e, portanto, comercializado e utilizado livremente e legalmente na Argentina, Paraguai e Uruguai. E por conta desta diferença na regulamentação, tornando-se o principal agrotóxico contrabandeado destes três países para o Brasil! Há outros exemplos, como inseticidas, mas, este caso do herbicida é emblemático, pois, anualmente os órgãos de segurança pública e aduaneiros brasileiros apreendem centenas de toneladas e milhares de litros de agrotóxicos ilegais. Esses órgãos públicos sofrem com o procedimento de guarda e destinação adequada desses passivos apreendidos, que, por serem insumos químicos, demandam a infraestrutura e o efetivo das instituições de segurança pública nas fronteiras, prejudicando o direcionamento de atuação dessas instituições contra o crime organizado, o tráfico de drogas, de armas, a mineração ilegal e outros crimes ambientais.

ANFITRIÃO:

Que medidas podem ser adotadas para promover a cooperação e melhorar a coordenação entre os órgãos reguladores, policiais e aduaneiros na repressão ao mercado ilícito de agrotóxicos e, na sua experiência, que lições resultaram da ocorrência em meados de dois mil e vinte e três, na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, do roubo de 50 milhões de reais em defensivos agrícolas?

NILTO MENDES:

O ideal seria uma simetria regulatória nos países latino-americanos, ou pelo menos no Mercosul! Eliminaríamos assim a principal causa da modalidade de ilegais, que é o contrabando, que, diga-se de passagem, representa metade do mercado ilegal! Enquanto os legisladores nacionais não criam uma legislação semelhante nos países do bloco econômico, como ocorreu na Comunidade Europeia, cabe às autoridades brasileiras de agricultura, ambientais, aduaneiras, de segurança pública e judiciárias aprimorarem seus conhecimentos com capacitações específicas sobre o tema e trocarem informações, inclusive de inteligência, atuando em coordenação, considerando as atribuições e competências que cada instituição possui no ordenamento normativo e jurídico brasileiro. O roubo numa grande e regular fábrica de agrotóxicos em Minas Gerais, com táticas de tomada de instalações, demonstra que o crime organizado expandiu sua atuação no mercado ilícito de agrotóxicos.

Inicialmente, estavam somente no contrabando estruturado nas regiões de fronteiras e na falsificação, na Região Sudeste do país. Agora, praticam roubos elaborados, fomentando a falsificação e a adulteração em estados no interior do país, pois os produtos roubados da fábrica em Minas Gerais, a exemplo de outros roubos e furtos, são em parte, e quando possível, esquentados e comercializados diretamente no mercado legal! E a outra parte remanescente é destinada a fábricas clandestinas para produzirem falsificação e adulterações, gerando ainda mais demandas de atuação para os órgãos de fiscalização e repressão.

ANFITRIÃO:

Qual é o papel das autoridades públicas e dos produtores rurais no reconhecimento e combate ao problema dos agrotóxicos ilegais?

NILTO MENDES:

A existência de um grande mercado ilícito de agrotóxicos no Brasil é decorrente da demanda gerada pelos produtores rurais e da oferta disponibilizada por terceiros fora da cadeia da indústria regular, seja contrabando, adulteração, falsificação e receptação. Temos demanda por ações fiscalizadoras e repressivas para todas as instituições integrantes do sistema de segurança pública. É urgente que haja capacitação e qualificação de policiais e fiscais, tanto federais quanto estaduais. Em outra parte, não há como o produtor rural adquirir e usar um agrotóxico proibido, oriundo de contrabando, sem a consciência da ilicitude, pois o produto ilegal contrabandeado é identificável a olho nu, e não há documento de origem do produto! Situação diferente ocorre no caso da falsificação: aqui, o produtor rural também é vítima! O reconhecimento da falsidade é difícil e, por isso, recomendamos cautela na aquisição do insumo, recorrendo somente a canais de venda com registro nos órgãos estaduais, exigindo notas fiscais compatíveis com a origem do insumo.

Somente o fabricante e as perícias técnicas regulatórias ou policial conseguem confirmar a adulteração e a falsificação.

Temos uma grande deficiência na estrutura dos órgãos regulatórios para ações de fiscalização e repressão. Alguns estados não dispõem de um único servidor fiscal na área de fiscalização ambiental ou agropecuária. Infelizmente, muitos órgãos estaduais de fiscalização e repressão, incluídas as polícias estaduais, também não estão adequadamente estruturados e capacitados para identificarem, apreender e destinar corretamente um agrotóxico ilegal.

Cabe às autoridades públicas buscar aprimoramento e capacitação sobre o tema e, obviamente, aplicar com rigor a penalização trazida pela nova lei, pois o legislador brasileiro fez a sua parte! Quanto aos produtores, eles devem confiar e comunicar às autoridades de registro, fiscalização e repressão, mormente as polícias, denunciando as práticas ilegais ou irregularidades que tomem conhecimento durante suas atividades de produtores rurais, notadamente por ocasião da aquisição de insumos!

ANFITRIÃO:

Meu caro, caminhando para o final de nossa conversa, repito meus agradecimentos pela participação e esclarecimentos, desejando-lhe muito sucesso na missão e deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!

NILTO MENDES:

A CropLife Brasil está equipada e preparada para contribuir institucionalmente com órgãos públicos, tanto de segurança quanto de fiscalização, no entendimento deste fenômeno relativamente recente denominado mercado ilícito de agrotóxicos, suas dimensões globais, regionais e nacionais. Promovemos capacitações presenciais para policiais e apoiamos institucionalmente a ESEM - Escola de Segurança Multidimensional da Universidade de São Paulo -, no oferecimento de um curso à distância de extensão universitária, certificado pela Universidade, que disponibiliza gratuitamente para servidores públicos uma capacitação sobre o tema. Auxiliamos ainda as autoridades a identificarem um agrotóxico suspeito e, por fim, realizamos a destinação ambientalmente correta de passivos ilegais apreendidos por todas as autoridades públicas.

Meu caro Clark, agradeço a você por esta oportunidade de compartilhar todas estas informações e fico à disposição para mais esclarecimentos que eventualmente algum ouvinte precise. Um abraço e até uma próxima oportunidade!

ANFITRIÃO:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, entrevistei Nilto Mendes, uma referência internacional no combate ao comércio ilegal de agrotóxicos. Quer saber mais sobre este programa? Acesse www.hextramurospodcast.com. Confira os links do episódio, comente e compartilhe nosso propósito. Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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About the Podcast

Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.