Episode 117

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31st Jan 2025

DESVENDANDO A EXECUÇÃO PENAL: O CONTROLE SOCIAL E A FALTA DE RESSOCIALIZAÇÃO. PARTE 1

Este episódio traz uma reflexão profunda sobre as deficiências do sistema penal brasileiro, com foco na obra de Tiago Oliveira de Castilhos, advogado e doutor em Ciências Criminais pela PUC-RS. O convidado situa a execução penal como uma forma de controle social, enfatizando a ausência de metas claras para a ressocialização dos apenados. Ele argumenta que o sistema atual, marcado pela falta de investimentos e uma ideologia punitiva, não fornece condições adequadas para a reinserção social dos indivíduos encarcerados. Tiago também critica a forma como a execução penal é abordada nas instituições de ensino, indicando que a prática é negligenciada em favor de uma visão superficial e punitiva da justiça. Ao longo da conversa, desvendamos as estruturas que perpetuam esse ciclo de exclusão, destacando a urgência de mudanças significativas para que a ressocialização se torne um eixo central do sistema de execução penal.

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Transcript
Washington Clark dos Santos:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, tenho a honra de receber o advogado Tiago Oliveira de Castilhos, Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autor da obra “A Execução Penal como Forma de Controle – Ausências de Metas de (Re)Socialização”, cujo texto nos convida à necessária e profunda reflexão sobre as deficiências do sistema penal brasileiro, sob o prisma das questões estruturais e da ausência de políticas efetivas de ressocialização.

Saudando-o com as boas-vindas, Doutor Tiago, agradeço a pronta resposta ao nosso convite e sua participação neste programa! Nos conte qual foi o principal objetivo ao abordar nesta obra a ideia de execução penal como forma de controle social e etiquetamento. Como você acredita que essa dinâmica afeta as possibilidades de reinserção social dos apenados?

Tiago Oliveira de Castilhos:

Muito obrigado pelo convite para falar, então, da minha recente obra intitulada Execução Penal como forma de controle aos sentimentos de resocialização.

Essa obra tem por objetivo trabalhar não só a execução penal pelo viés apresentado dia a dia pela doutrina, mas também externar a forma como ela é feita na sua prática, a forma como o Poder Judiciário trata a execução penal e, obviamente, o público da sua execução penal, que é o público preso, e externa essa obra que é fruto do estágio pós-doutoral feito por mim, na Católica de Salvador, a demonstração que a execução penal, pela forma de sua prática, pela forma de como ela é praticada pelo poder judiciário, como uma forma de controle com o uso de ferramentas, que são bem visíveis no direito penal como um etiquetamento e demonstrar para o público que esse sistema não possibilita a reinserção social do apenado porque ele não trabalha, não tem metas de ressocialização.

Se você ver em todas as instituições de Estado, em instituições particulares, em seus níveis, tanto da iniciativa pública quanto da iniciativa privada, há o estabelecimento de metas a serem cumpridas por aqueles que trabalham efetivamente naquela determinada função. E aqui, na execução penal, nós não vemos, então, metas de ressocialização, porque não há.

Então, este é o ponto principal da obra, desnudar, demonstrar que não há metas de ressocialização. Não existem tais metas. A execução penal não é feita para ressocializar ninguém!

Washington Clark dos Santos:

O livro traz forte destaque para o fato de que o sistema penal brasileiro carece de metas claras de ressocialização. Quais fatores estruturais ou ideológicos influenciam para a tal ausência?

Tiago Oliveira de Castilhos:

No que se refere à estrutura, a gente consegue perceber facilmente, diagnosticado pela doutrina, que há poucos investimentos nas estruturas prisionais no país e isso possibilita, de forma bem clara e evidente, a proliferação de facções criminosas e a proliferação de violência que decorre dessa ausência de estrutura, investimento físico e humano na execução penal. O que o público não percebe é que também não há um investimento na execução penal na sua prática, porque os advogados vão trabalhar em execução penal na prática e vão aprendê-la verdadeiramente na prática porque as instituições de ensino não investem na disciplina, em execução penal! Quando vai se tratar a execução penal nas faculdades de direito, vai se tratar a LEP e a execução penal é para além da LEP! Não é só saber a Lei de Execuções Criminais que você sabe como funciona a execução penal no Brasil. Não sabe! Porque a execução penal feita na prática, no foro, no dia-a-dia, é aprendida no dia-a-dia. O Poder Judiciário, o Ministério Público, vão aprender a fazer na prática a execução criminal, assim como a Advocacia que, quando chega até a execução penal, a execução criminal, vai aprender fazendo. Porque não há cadeiras práticas e nenhum interesse em esclarecer e demonstrar como verdadeiramente funciona a execução penal no Brasil! Então, tem aquilo que todo público vê, que é a falta de investimentos, de certa parte, de certa forma, a sociedade não se importa com isso porque beira entendimento de senso comum, bem raso, que é: "o bandido bom, é o bandido morto" e que, na verdade, a grande maioria do público não quer saber de direitos para quem está preso. Então, isso é bem claro. Já essa forma de atuação dos atores que trabalham com a execução penal, como eles aprendem, como eles tratam isso, não é claro para a sociedade. Esse é um ponto importante desvendado pela obra. Mas, é muito pertinente a pergunta quando se trata do viés ideológico, fatores estruturais "ou" ideológicos. Não! São fatores estruturais "e" ideológicos! Eu me recordo de um texto do Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, publicado na revista da Federal do Paraná, que trata justamente sobre essa ideologia punitiva. Nós temos uma ideologia punitiva no país que nasce no seio social - de onde vêm juízes, promotores e advogados -, ainda daquele entendimento de que o país é um país da impunidade, é um país da insegurança. E, nessa insegurança, você precisa de políticas criminais vinculadas a mais tempo de pena, a recrudescimento penal, a encarceramento, se resolve o problema com a prisão. Isso cria, então, uma ideologia punitiva, uma ideologia de que problemas sociais muitas vezes devem ser resolvidos pelo cárcere. Então, primeiro é o cárcere. Isso não é de agora! Se nós pegarmos a criminalização, no Império, do Capoeirismo, a gente vai conseguir entender essa política criminal e essa ideologia punitivista. Vem desde o Império com esse trabalho de entender que aquele que não é economicamente ativo, que é um problema que é um indesejado, que é um excluído, ele deve ser tratado pelo direito penal. E isso sim, para essa sociedade, para os adeptos da lei e ordem, para os adeptos do punitivismo, para os amantes da Lava-Jato, o aumento de tempo de prisão no regime fechado resolveria os problemas de criminalidade no país e, na verdade, não resolve, porque é um pensamento de senso comum teórico muito superficial, mas que demonstra e serve para o nosso trabalho, que é externar essa questão ideológica que influencia nessas ausências de metas. "Para que vou criar metas para resocializar presos?" Esta é a pergunta que eles fazem! Eu tenho que me preocupar com outras coisas do que se refere à política e não há metas para trazer do cárcere aquela pessoa que foi presa, é um criminoso, no pensamento deles, para o retorno à sociedade. Então, não! E o Poder Judiciário externa isso também quando ele demora na execução penal, demais, para responder um pedido feito pela defesa. Em outros textos, como o Doutor Washington fala, bem ácido, eu denuncio essa ideologia de forma prática. Também. nesse texto, eu falo que, quando o preso que está cumprindo pena de forma errada em presídio, em cadeia pública, se não tem nenhum registro do diretor da casa prisional, ele está em bom comportamento prisional. Porque, o diretor da casa prisional tem que informar imediatamente o juiz da execução criminal quando há um problema de disciplina ocasionada por determinado preso. Inclusive, ele pode aplicar uma punição administrativa antes e comunicar depois do juiz. Mas, só assim, ele estaria, em tese, porque precisa de uma audiência de justificação, em mau comportamento carcerário. Por trás disso tem uma ideologia, que é a ideologia punitiva.

Washington Clark dos Santos:

Criticas no conteúdo o funcionalismo penal que prioriza a punição. que mudanças seriam necessárias para que a ressocialização realmente seja um eixo central do sistema de execução penal?

Tiago Oliveira de Castilhos:

Mais uma pergunta que trata desta crítica que permeia toda a obra sobre o funcionalismo penal que tem o viés na pena propriamente dito, principalmente no que se refere à prevenção geral e prevenção especial. Primeiro, eu vou fazer uso de uma citação do professor Raul Zaffaroni. Ele critica, lá naquele "Derecho Penal - Parte General", uma edição da EDIAR, de dois mil e dois, ele fala em parca síntese que o funcionalismo, que o sistema, usa a pena como um instrumento de propaganda. Uma má propaganda, e usa essa ferramenta, a pena, para fazer a publicidade neutralizante, a publicidade desse próprio sistema! E aqui, acredito, que está o problema: que é a gente ter como objetivo inicial à aplicação de uma pena. Nós deveríamos ter todo sistema estar direcionado à aplicação de uma pena propriamente dita e ela como resolução do problema criminal, quando, na verdade, ela é a consequência de todo um sistema que vem antes, de todo um processo, de toda uma percepção que vem antes, e que não deveria ter ela apenas como um objetivo primevo, e sim apenas como uma consequência natural após a apresentação de todos os fatos e o contraditório de todos os fatos com garantias aplicadas de forma efetiva. Esse objetivo primevo leva, então, a essa aplicação de uma pena a qualquer preço, de uma pena como solução do problema criminal no país. E, na verdade, ela não poderia ser a solução. Ela poderia ser e ela deveria ser o fim possível, após a exploração do fato concreto, do fato narrado, do crime, da prática criminal em si. Enquanto nós tivermos esse pensamento de que o fim do direito penal é a pena, a gente tem como objetivo a aplicação da pena e não, também, a execução da pena, porque é muito claro isso! Eu aplico a pena, eu vou em busca da pena. Mas, e depois? O que eu faço depois que eu tenho a pena, que eu tenho um objetivo alcançado pelo sistema penal, que é a determinação de um tempo de prisão para uma determinada pessoa que foi acusada e se comprovou de forma efetiva que ela tem a autoria daquela prática delituosa que causou um dano a alguém ou um perigo de dano a alguém? E depois, o que fazemos? Como fazemos isso? E isso não é o foco do sistema. O foco do sistema é aplicar a pena, é colocar a pessoa lá e ela que se vire! E ela que cumpra o que tem que cumprir, que é um castigo, sem estrutura nenhuma! E ela tem que dar graças a Deus que está sendo feita essa aplicação da pena dessa forma! Na verdade, não, porque a aplicação da pena se torna cruel, ela é abandonada, é deixada para lá, é excluída e ela recebe um etiquetamento. Ela recebe uma chaga. Ela recebe uma marca que vai se perpetuar ao longo de toda a sua vida, porque essa sociedade não vai empregar aquela pessoa que tem uma passagem pelo sistema prisional! Então, o problema, ao meu ver, que está ali transcendendo, está permeando a obra, é o funcionalismo penal, que impede a ressocialização, porque o foco nunca é na ressocialização, e sim na pena, que é o foco do próprio sistema do sistema funcionalista!

Washington Clark dos Santos:

Honoráveis Ouvintes! Faremos um intervalo neste momento! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Em sequência, no próximo episódio, concluiremos esta fascinante conversa com Tiago Oliveira de Castilhos, advogado, doutor em ciências criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e autor da obra A Execução Penal como Forma de Controle, Ausências de Metas de Ressocialização. Acesse nosso website e saiba mais sobre este conteúdo nos links de pesquisa. Inscreva-se e compartilhe nosso propósito.

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Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.