DESVENDANDO A EXECUÇÃO PENAL: O CONTROLE SOCIAL E A FALTA DE RESSOCIALIZAÇÃO. PARTE 2
A violência epistêmica e estrutural no sistema carcerário é o foco central da conversa que conclui a entrevista com o Dr. Tiago Oliveira de Castilhos, explorando o conteúdo da obra escrita por ele “A Execução Penal como Forma de Controle: Ausências de Metas de (Re)Socialização”. O convidado leciona como essa forma de violência se manifesta na execução penal, resultando em uma falta de credibilidade e voz para os presos, que são frequentemente tratados como invisíveis dentro do sistema. Ele critica a ausência de políticas eficazes de ressocialização, que contribuem para os altos índices de reincidência criminal no Brasil, e discute a importância de iniciativas como as APACs, que prioriza a humanização e a reintegração dos detentos à sociedade. O episódio também destaca como a cultura punitivista perpetua desigualdades e injustiças sociais, tornando improvável uma reforma significativa no sistema. A conversa oferece uma análise profunda e provocativa sobre as falhas do sistema penal e as oportunidades para melhorar a vida dos condenados e da sociedade como um todo.
Saiba mais!
- APAC
- Janaina Matida - IDH | Instituto de Direito e História
- Miranda Fricker – Wikipédia, a enciclopédia livre
- Punitivismo – Wikipédia, a enciclopédia livre
- LEP
- O Livro
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Transcript
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, retorno à entrevista com o Dr. Tiago Oliveira de Castilhos, concluindo nossa abordagem sobre a obra escrita por ele: "A Execução Penal como Forma de Controle - Ausências de Metas de (Re)socialização".Retomando o nosso diálogo, Doutor Tiago, a violência epistêmica e estrutural no sistema carcerário é uma abordagem contundente tanto nesta obra como em outros escritos de sua lavra. Podes exemplificar como essas formas de violência se manifestam e qual seria o caminho para superá-las?
Tiago Oliveira de Castilhos:Aqui eu uso, na verdade, o trabalho da professora Miranda Fricker, uma socióloga inglesa e, aqui no Brasil, muito usado pela professora Janaína Matida, a problemática da violência epistêmica.A violência epistêmica, é aquela violência causada pela descredibilidade, pelo descrédito vinculado a questões, muitas vezes, etiológicas, interpretações lombrosianas, quase que atávicas, muitas vezes, principalmente, vinculadas ao sistema penal. Ou seja, aquela pessoa que está cumprindo pena não tem credibilidade nenhuma! Ninguém a ouve! Ninguém a quer ouvir! Ninguém quer vê-la! Nem os agentes penitenciários, hoje, polícias penais! Vejo a condução de preso em qualquer presídio no país. É: "baixa a cabeça!"; "vira para a parede!"; "cruza os braços!"; "não olha para mim!"; "olha para o chão!"; "não levanta os olhos!"; "não fala comigo!". Bom! A partir daí a gente vê que está bem presente essa violência epistêmica dentro do sistema prisional, na prática da execução penal! Porque, se você vai fazer uma audiência de justificação em todo o país, o Ministério Público quer apenas a punição! Na sua grande maioria, se não for um membro do Ministério Público com sua humanidade - e existem essas pessoas que estão aí, com a sua humanidade mais aflorada -, a pessoa não quer ouvir o preso por alguma falta, alguma circunstância que leva ele à ausência da disciplina, infração disciplinar! Não quer ouvir ele! O juiz, também, não quer ouvir ele, porque ele é preso, ele não tem credibilidade alguma! "Por que eu vou ouvir ele?" A defesa, então, fica super limitada! Não há uma ampla defesa contraditória. Aquilo que aconteceu dentro do cárcere é irrelevante, porque não importa! O negócio ali é fazer aquela audiência para já validar a aplicação de uma punição que muitas vezes já foi até aplicada antecipadamente pelo diretor da casa prisional. E o que importa nessa execução é a alteração da data base, a perda dos dias remidos. Antes, era na totalidade, agora, não pode ser na totalidade! Mas, você imagina, a pessoa trabalhou, tem a remissão lá, o 3x1, ou estudou, ou leu, e aí ela perde os dias que ela tem descontado da sua pena. Essa violência epistêmica e estrutural do sistema e da execução penal é muito presente! Porque as pessoas não sabem disso! Quem não trabalha com execução penal acha que o cumprimento da LEP é o suficiente, mas, não tem lá na hora da verificação, não tem ampla defesa e contraditório. Quem o preso vai levar para ser ouvido sobre um acontecimento interno? Um outro preso, que também não vai ter credibilidade porque também vai sofrer a mesma violência epistêmica ou epistemológica? E não vai ser ouvido, não vai ser levado em consideração!E tem um outro viés importante: aquele mantra, que é a fé pública do agente penitenciário, da polícia penal hoje! É um dogma da ditadura militar que ainda está muito presente na execução penal que, aquela outra pessoa não tem credibilidade alguma! Ela não é ninguém! Então, ela não tem como trazer qualquer elemento probatório que indique que a polícia penal está equivocada,que não agiu de boa-fé, que não está realizando o seu trabalho de forma correta, que não existiu o fato narrado pelo agente do Estado. Isso é violência epistêmica!
Washington Clark dos Santos:Em sua análise, como a ausência de políticas eficazes de ressocialização contribui para os altos índices de reincidência criminal no Brasil? Há algum exemplo de prática internacional que poderia ser adaptado ao contexto brasileiro?
Tiago Oliveira de Castilhos:Sobre a reincidência, parece que é um karma do nosso sistema! E essa reincidência prejudica numa política eficaz de ressocialização! Primeiro porque a gente não tem essa política eficaz de ressocialização! Ela não existe! O fim é colocar aquela pessoa, é sentenciá-la e colocá-la presa! Se ela vai sair, como ela vai sair -até, é ideal que nem saia! - me parece que é isso que aparece e fica muito evidente, quando eu vejo uma demora em uma concessão de um direito que eu aponto no livro, porque o Poder Judiciário entende que direitos do preso são benesses para o preso. Não! Direitos do preso são direitos que estão garantidos na LEP! São direitos, não são benesses. Benesse eu dou se eu quero e direito eu sou obrigado a aplicá-lo! A reincidência está muito presente no nosso sistema justamente porque não tem essa política de ressocialização e a pessoa quando vai para o sistema ela é obrigada a criar vínculos com as facções criminosas, então ela é um recurso humano a ser recrutado pelas facções criminosas, porque as facções criminosas conseguem dar a essa pessoa presa segurança interna, consegue suprir necessidades básicas daquele preso que o Estado não supre! E a segurança é uma necessidade básica, então ela acaba fazendo vínculo com essa facção criminosa, com essa organização criminosa, e obviamente que em algum momento ela vai ter que pagar isso! Então, parte da reincidência vem desse ciclo vicioso, putrefato, da execução penal na prática! E essa ausência de uma política de ressocialização permite, então, que esse sistema fique cada vez mais populacional! Os índices de encarceramento mostram isso, nossa subida no degrau, na colocação entre os três países que mais prendem no mundo, que as pessoas acham que isso é uma bobagem, que não é bem assim! Esta ausência de ressocialização, de políticas concretas de ressocialização, possibilita mais reincidência e esse ciclo vicioso vai se retroalimentando, porque essa reincidência vai produzir mais criminalidade, mais superlotação e cada vez menos qualquer coisa no que se refere à ressocialização! Uma pessoa que saia do sistema prisional, e nós temos alguns casos, saem do sistema sem envolvimento com a criminalidade por esforço único próprio! É hercúleo, sim, e é um esforço próprio! Não é o Estado que deu meios, possibilitou tal ressocialização! E isso é a demonstração de que o sistema faliu de fato! Talvez o sistema não tivesse sido feito para ter êxito mesmo. Ele já foi feito para falir! Vê que forte isso, né? Eu não iria fora do Brasil para buscar algum exemplo prático no que se refere à execução penal. Com as suas críticas e com as devidas observações à APAC, que é esse sistema que nasce em São Paulo, migra para Minas Gerais, está bem consolidado como política pública, veio para o Sul, aqui para o Rio Grande do Sul, para Porto Alegre, também por uma política pública, se trata aquela pessoa como ser humano, se trabalha ali com viés da ressocialização e reinclusão na sociedade, por meio de uma educação efetiva, do tratamento humanitário, da laborterapia, ensinar a importância do trabalho, mas não colocando aquela pessoa a costurar bola, calçado, qualquer coisa do gênero, ou fazendo algum artesanato que, é uma função digna e importante para as pessoas, mas para o sistema nós precisaríamos de mais, porque a gente precisaria de condições estruturais e de preparo daquela pessoa para ela sair daquele sistema com condições de sobreviver sem precisar buscar subterfúgios no crime, que ela não precisasse, inclusive, depender da facção criminosa dentro da casa prisional para não sucumbir a qualquer tipo de violência e para ter o básico possível! Se o familiar não sofresse também abusos! Então, esse exemplo da APAC é um exemplo interno muito valioso e que diminui os níveis de incidência a 1%, 1,5%, 2%. Então, 10% em alguns casos, os mais graves em 10%, 8%. Mas, na grande maioria, a reincidência é ínfima perto do sistema tradicional!
Então, a reincidência, sim, ela tem, digamos assim, uma de suas bases, a ausência de políticas eficazes de ressocialização. Temos vários programas governamentais e várias instituições de ensino superior que podem ministrar curso superior, mesmo para presos em regime fechado, cursos online, com devido monitoramento, para que aquela pessoa, enquanto ela está presa, ela possa, pela educação, mudar efetivamente de vida!
Washington Clark dos Santos:O sistema de execução penal reflete e reforça desigualdades sociais e estruturais. Em sua visão, como a execução penal poderia ser reformulada para atuar como um instrumento de justiça social e redução das desigualdades?
Tiago Oliveira de Castilhos:Eu não acredito que a execução penal poderá, de alguma forma, não causar injustiças ou, de alguma forma, reduzir desigualdades sociais, não na forma como ele está estruturado, a não ser que tenha uma mudança de cultura! A gente vê, por exemplo, a ideologia punitivista, no que se refere a, por exemplo, a mudança das saídas temporárias feita pelo nosso legislador populista e com objetivo claro em um espólio político. As pessoas foram às mídias sociais, deram entrevistas aplaudindo tal alteração porque impede com que aquele preso tenha saídas temporárias com maior frequência e com objetivos claros e definidos, como era anteriormente, indicando em sua fala que, para o preso, "ou é cadeia ou é cemitério". Veja, esse é o nível de políticas públicas que se produz na execução penal. De forma prática, não se cumpre a Lei de Execuções Penais! Eu não acredito, então, que esse sistema seja, de certa forma, mudado ao ponto de se tornar um instrumento de justiça social e redução de desigualdades. Não! Com essa cultura punitivista, cada vez mais vamos produzir mais desigualdades sociais e mais injustiça! Nós não conseguimos trabalhar como política pública o tabu da política de drogas no país! E nós temos sérios problemas porque um grande número de presos está vinculado a uma drogadição! E é uma drogadição transformada, permutada em traficância! Então, veja; a gente precisa mudar essa cultura para haver um sistema menos injusto e menos desigual. Mas veja, é até preocupante, a gente tem que ter cautela no falar, porque não se quer legitimar com esse tipo de fala, também, o recrudescimento para crimes do colarinho branco, não é esse o objetivo! A gente tem que cuidar quando se refere a isso no que tange a desigualdades sociais. E é importante a gente frear, na verdade, o direito penal e aplicar de forma mais efetiva recursos e metas, criar metas para ressocialização! E aí, sim, diminuir por meio de metas de ressocialização, diminuir desigualdades e tornar o sistema de execução penal menos injusto!
Washington Clark dos Santos:Dr. Tiago, foi um prazer enorme tê-lo conosco neste episódio!
Caminhando para o final de nossa conversa, repriso os meus agradecimentos e deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!
Tiago Oliveira de Castilhos:Caro Doutor Washington Clark, amigos da Hextra muros; foi um prazer imenso compartilhar um pouco daquilo que foi escrito, um pouco da minha pesquisa sobre a execução penal, daquilo que me traz inquietude na execução penal no Brasil. Uma honra ter trabalhado esse tema aqui com vocês, caros amigos! E me coloco à disposição para tratar e conversar sobre outros assuntos, sobre temas dos outros livros que eu publiquei. E é com imensa alegria que eu me despeço de vocês com um fraterno abraço!
Washington Clark dos Santos:Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Neste conteúdo, conversei com Tiago Oliveira de Castilhos, advogado, Doutor em Ciências Criminais pela PUC-RS e autor da obra "A Execução Penal como Forma de Controle - Ausências de Metas de R(e)socialização". Acesse nosso website e saiba mais sobre este conteúdo nos links de pesquisa! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!