INSURGÊNCIA CRIMINAL: RAÍZES E DINÂMICAS.
Neste episódio adentramos na questão da insurgência criminal, um aspecto complexo que desafia a sociedade contemporânea. Flávio Fabri, um especialista em ciências policiais e segurança pública, traz uma rica experiência adquirida ao longo de 32 anos de atuação policial, conceituando insurgência criminal e diferenciando-a de outras formas de criminalidade organizada ao enfatizar a forma como esses grupos operam com uma lógica própria, utilizando a violência desmedida e a intimidação para manter o controle sobre suas áreas de influência. O diálogo se aprofunda nas raízes socioeconômicas que alimentam a insurgência, revelando como a falta de presença do Estado em regiões carentes propicia o surgimento e a manutenção desses grupos. Com exemplos históricos e contemporâneos, o convidado justifica a necessidade de um entendimento multidimensional para abordar o problema, propondo que a solução não se limite apenas ao uso da força, mas requer um envolvimento abrangente nas diversas esferas sociais, econômicas e culturais.
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Transcript
Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje abordaremos o tema insurgência criminal. Para nos ajudar a entender esse fenômeno complexo e muito presente, recebo Flávio Fabri, Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, com o qual vamos explorar as raízes socioeconômicas que alimentam essa prática, as dinâmicas internas de poder e como tecnologias emergentes, movimentos ideológicos e fatores geopolíticos impactam esse tipo de criminalidade. Mestre, com as minhas cordiais boas-vindas, agradeço por aceitares o meu convite!
No informal protocolo, peço que se apresente e, em seguida, esclareça qual é a sua definição de insurgência criminal e como ela se diferencia de outros tipos de criminalidade organizada:
Flávio Fabri:Eu agradeço a oportunidade. Muito obrigado pela possibilidade de estar aqui e também aprender com o senhor!
lução Constitucionalista de:o que vemos no Rio de Janeiro, por exemplo, em áreas em que se nega a governança estatal e acaba tendo governança alternativa, as leis próprias, os regramentos próprios, enfim, às circunstâncias como nós tivemos aqui no estado de São Paulo, onde o primeiro comando da capital, principalmente nos atentados que ocorreram por ocasião do Dia das Mães, de uma forma notória, quis demonstrar que não se importaria em enfrentar todo o Estado para demonstrar a defesa dos seus interesses! Então, quando falamos sobre insurgência criminal, nós lidamos com grupos que não se importam de forma alguma em utilizar a violência desmedida para que eles mantenham os seus negócios e, principalmente, os seus interesses.
Washington Clark dos Santos:Quais são os principais fatores socioeconômicos que contribuem para o surgimento e a sustentação de grupos insurgentes criminais?
Flávio Fabri:No que tange às questões como, por exemplo, desordem social, desordenamento territorial, enfim, a própria oferta e prestação de serviços para a população, se o Estado não se faz presente -por exemplo; nós temos na região amazônica, uma questão que foi levantada e pode ser constatada facilmente em uma breve pesquisa pela internet, em que 70% dos municípios que se encontram em regiões de fronteira (Brasil, Venezuela, Colômbia), existe a presença de grupos irregulares armados!- São locais onde a presença de Estado é pequena ou, por vezes, nula, até pela grande extensão territorial! Então, nesses ambientes, nós temos a presença desses grupos que vão impor, pela força, os seus interesses.
s que lembrar que nos idos de: Washington Clark dos Santos:Como as dinâmicas de poder dentro de grupos insurgentes criminais são estruturadas? Existe um paralelo com estruturas de governança formal?
Flávio Fabri:Esses grupos possuem uma administração complexa, tanto no que tange a lidar com seus próprios integrantes, a forma com que lavam dinheiro, com que lidam com a própria população, em relação ao aspecto de gestão interna como em relação a objetivos, é possível fazer um paralelo com a gestão de uma grande empresa, como existe, também, a parte de relacionamento em relação àquela área em que ele domina. Em diversas reportagens da própria mídia leiga, vemos que, em alguns ambientes, cartazes, pixações, onde é colocado imposições de regras, nas comunidades o pessoal não usa capacete de moto, em outros locais, é proibido colocar lixo, questões de conduta. Então, existe, sim, um paralelo! A própria questão do Estado, quando se faz presente, não pode ser tão somente pela força policial, mas sim uma ação multidimensional e de longo prazo. Então, se o Estado não fizer isso, alguém irá fazê-lo.
A ponta, inclusive, é que o próprio comércio formal ocorra dentro dessas comunidades ou em locais próximos, e que o pessoal acaba por cumprir também o regramento que é imposto pelos criminosos. Então existe, sim, uma forma de governança, talvez a mais evidente seja a imposição de regras e de conduta no interior dessas comunidades onde o crime organizado acaba por impor seu regramento.
Washington Clark dos Santos:Quais são as estratégias mais eficazes para combater a insurgência criminal? E quais são os principais desafios na implementação dessas estratégias?
Flávio Fabri:Em relação a estratégias, a gente não pode jogar unilateralmente, por exemplo, combate à droga, combate aos criminosos somente, mas sim na oferta e na percepção de que existe serviços, existe um Estado, existe a preocupação em que cada cidadão tem os seus direitos respeitados e também deveres. Não adianta exigir que a polícia está em conta daquele local, exerça a ordem, sem que com isso, no longo prazo, nós não tenhamos mais outros tipos de serviços ou condições a serem ofertadas. Não é somente uma estratégia de oferta de serviço em curto prazo, pelo contrário; é a percepção de que aquele ambiente que é ofertado, que as ações que esses grupos insurgentes fazem são nocivos! Isso é uma coisa que não se implementa rápido! No Brasil, nós estamos muito acostumados a ver esses planos de governo, muitos deles estão somente sendo implementados em curto prazo, eventualmente em quatro anos! Precisamos de algo que seja permanente, em que se resolvam tanto as questões de desordenamento territorial, questões de desordem social, questões de ordem cultural, diversos aspectos, diversas frentes que devem ser trabalhadas durante um grande período. E os resultados não vão aparecer de forma rápida. Vai demorar pelo menos uma ou duas gerações para se perceber! Mostra necessárias ações em diversas áreas.
Washington Clark dos Santos:De que maneira as tecnologias emergentes, como a criptografia e a internet, têm influenciado as operações de grupos insurgentes criminais?
Flávio Fabri:O ambiente cibernético é o grande aliado desses grupos insurgentes, grupos terroristas. insurgência criminal, enfim. Nós vemos que mesmo alguns grupos, como grupos dissidentes das Farc, eles utilizam a internet para ganhar simpatizantes, enviar seus recados e, por outro lado também, receber aporte financeiro com discrição. É fato que boa parte de grupos terroristas que atuam no Oriente Médio eles recebem aporte financeiro por intermédio do ambiente virtual! Então, combater esse tipo de situação exige que o Estado tenha um aparato que seja tecnológico, meios materiais, pessoal treinado, que ele possa atuar no ambiente cibernético, principalmente em relação à questão financeira, sufocar financeiramente grupos insurgentes criminais e, com isso, impedir que eles possam ampliar as suas ações e, principalmente, não somente ampliar, mas muitas vezes até a questão de manter seu próprio status atual. A criptografia e a internet são aliados desses grupos insurgentes, tanto em relação à difusão de ideias nessa grande guerra de narrativas que temos hoje, questão cultural, angariar simpatizantes, negociações, mensagens, como as movimentações financeiras que fazem para seus interesses.
Washington Clark dos Santos:Existe uma relação entre a insurgência criminal e movimentos políticos ou ideológicos? Caso positivo, de que forma isso influencia as estratégias de combate?
Flávio Fabri:Honestamente, eu acredito que sim! Eu recomendo a leitura de um livro chamado Front Interno às Exórdias Públicas como Armas de Guerra. Ele foi escrito por um Capitão da Polícia Militar de São Paulo chamado Alexandre Antunes Ribeiro. Se alguma visão ideológica, por exemplo, não colabora diretamente com esses grupos insurgentes, por outro lado, indiretamente, ele vai colaborar também bastante! Quando existe uma determinada penetração ideológica, pode ocorrer a tolerância em relação a ações do crime. Assim sendo, essa estratégia de enfrentamento a grupos insurgentes criminais, eu realmente acredito que algumas visões ideológicas colaborem de certa forma, não somente em relação à tolerância, mas, até ao fortalecimento, à manutenção do poder desses grupos insurgentes. Em alguns aspectos, há uma relação e essa relação se torna nociva pelo fortalecimento, pela tolerância que se tem à ação desses grupos e, principalmente, a questão de ser até um incentivo para que alguns permaneçam ou tenham o interesse de ingressar na ação criminosa.
Washington Clark dos Santos:Quais os principais erros que os governos cometem ao lidar com grupos insurgentes criminais?
Flávio Fabri:O principal erro que tem é, somente, haver uma cobrança em relação às forças policiais ou às forças estatais para que façam frente! É uma ação que um governo deve pensar em longo prazo, uma política de Estado, não uma política de governo, cujo resultado vai demorar a aparecer!
Pensar em curto prazo é um erro! O aspecto que ele exige um investimento maior de longo prazo e ações em várias áreas, não somente do ponto de vista econômico, socioeconômico, a questão de fomentar a oferta de serviços, a questão de economia, a questão cultural, além, claro, do fortalecimento da própria máquina estatal. Desde a penetração ideológica em determinados tipos de ambiente, penetração essa que vai se fazer sentir décadas depois, na tolerância, na ideia de relevância, permissividade desses grupos em detrimento, por exemplo, da ação policial! Vai exigir que a atuação governamental seja multidisciplinar, multidimensional e de longo prazo. É um erro pensar em resultados rápidos, focados tão somente num plano de governo, colocando tudo somente nas costas das suas forças de segurança!
Washington Clark dos Santos:Como as medidas de segurança e inteligência podem ser aprimoradas para melhor enfrentar a insurgência criminal no século XXI?
Flávio Fabri:Seria, acho que irreal, hoje, a gente talvez pensar em enfrentamento ao crime ou a insurgência criminal sem pensar no investimento em relação à inteligência e tecnologia! Deve ocorrer sempre não somente aprimoramento, mas constante investimento em inteligência. É irreal pensarmos em combater o crime, e principalmente a insurgência criminal, sem investimento nesse tipo de setor. Ambos andam juntos, inteligência, tecnologia -investimento-, para que o profissional em campo tenha informações fidedignas em tempo real, que sejam negadas informações a grupos insurgentes, que se possa saber do seu planejamento, que se possa ter ideia de movimentações financeiras para que, do ponto de vista legal, ocorra o sufocamento das suas finanças. Enfim, todas essas medidas que envolvem inteligência e tecnologia devem receber um constante investimento e aprimoramento do governo. Várias ações bem-sucedidas das forças policiais ocorrem a partir de informações que são processadas por seus órgãos de inteligência. Então, é irreal nós pensarmos em combater qualquer tipo de intento criminoso e, principalmente, grupos, sem esse suporte de tecnologia e informação!
Washington Clark dos Santos:Quais são os indicadores precoces de que uma situação está propensa a evoluir para uma insurgência criminal e como esses indicadores podem ser utilizados para a prevenção?
Flávio Fabri:Qualquer forma de desordem, qualquer forma de desordenamento, ele deve ser percebido de uma forma imediata e haver uma ação do Estado, não somente a ação da força policial em si.
Seria a mesma coisa que pensar o seguinte aspecto: naquele determinado terreno ocorreu uma invasão e não foi feito nada e, agora, está instalada aqui uma comunidade com mais de mil, dois mil barracos, mil famílias ali, e, devido à ausência de outras ofertas de serviço para o Estado, agora, nós temos também lá uma forte presença naquela área de desordenamento territorial, forte presença de grupos criminosos! Se isso não é inibido logo no início, se não existe uma ação multidimensional, todos falam, e somente se deixa o aspecto permissivo reinar, agora nós temos um problema! Vamos mandar a polícia para lá, que é o que normalmente é feito! Qualquer constatação imediata de desordenamento territorial, desordem social, ele deve ser inibido! Qualquer questão onde se percebe a presença de grupos que impõem o seu próprio regramento, e esse regramento é acatado por diversos motivos naquela interna comunidade e mais, ainda, se há simpatia, se há um grande número de simpatizantes daquele grupo que lá impõe o seu regramento e ao contrário, se mesmo essas mesmas pessoas se mantêm distantes ou se colocam de uma forma negativa em relação até a própria governança estatal, nós temos um problema, isso deve ser combatido de uma forma imediata! Qualquer sinal de desordem, desordenamento, surgimento de grupos que acabem por impor seu próprio regramento em detrimento do regramento estatal, enfim, desde que isso aqui seja detectado, é necessário que ocorra não somente a inibição, mas também que se tenha já uma ação já proativa das várias áreas do Estado. Depois de instalado, serão anos, se não décadas, para que ocorra uma resolução. E na ausência de um plano de Estado, a tendência é que esse tipo de problema aumente.
Washington Clark dos Santos:Qual é o papel das estratégias de desenvolvimento econômico e social na redução da vulnerabilidade à insurgência criminal?
Flávio Fabri:A partir do momento que eu tenho desenvolvimento econômico, eu tenho suporte social da determinada comunidade, não se torna atrativo que aquela comunidade busque recursos, intermediação, qualquer tipo de relação com grupos insurgentes. O desenvolvimento econômico, suporte estatal, ações de educação social, atenção na área educacional, atenção na área de saúde, nas diversas dimensões dessas cidades humanas, propiciam que não se tenha interesse em procurar alternativas para aquilo que não está sendo suprido. Qualquer tipo de desenvolvimento econômico-social é uma vulnerabilidade que acaba sendo extinta e que não vai ser explorada por alguém, que no caso aqui é a insurgência criminal. Então é adequado, é importantíssimo que qualquer tipo de estratégia econômica e social deva ser levada a cabo como plano não somente de governo, mas como plano de Estado, fazendo com que mitiguemos a possibilidade um grupo insurgente tenha de não somente se instalar, mas permanecer e ter sustentação em determinado local.
Washington Clark dos Santos:Chegando ao final de nossa conversa, meu caro, repriso os meus agradecimentos pela sua valiosa e esclarecedora contribuição! Deixo este espaço para as suas considerações finais. Grande abraço!
Flávio Fabri:Doutor; agradeço imensamente a oportunidade que o senhor concedeu de estar aqui!
Então, além de toda a minha gratidão, desejo todo o sucesso do mundo para o senhor e principalmente que esse trabalho que o senhor tem feito continue por tanto tempo em que a gente possa promover a difusão de informações e debate. Muito obrigado!
Washington Clark dos Santos:Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião!
Neste conteúdo, entrevistando a Flávio Fabri, Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, abordamos aspectos da insurgência criminal. Acesse os links de pesquisa em www.hextramurospodcast.com e saiba mais sobre este conteúdo! Inscreva-se e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!