Episode 121

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28th Feb 2025

FACÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL: COMO A HISTÓRIA MOLDA O PRESENTE. Capítulo 2

Neste capítulo, em sequência aos questionamentos sobre a expansão de facções criminosas no Brasil, concluo a entrevista com JOEL PAVIOTTI, na qual miramos a relação entre o sistema prisional e o fortalecimento dessas organizações, o papel da tecnologia nesse processo e, principalmente, o impacto devastador do crime organizado nas comunidades mais vulneráveis e na juventude. Esta é mais uma oportunidade de entender melhor como História, Sociedade e Segurança Pública estão interligadas.

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Transcript
Washington Clark dos Santos:

Honoráveis Ouvintes! Sejam muito bem-vindos a mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! No conteúdo de hoje, concluiremos a preciosa colaboração de Joel Paviotti, um pesquisador apaixonado pela história e seus impactos no presente, criador do canal no YouTube “Iconografia da História”, um espaço incrível no qual ele utiliza o poder da narrativa e da análise histórica para discutir temas da segurança pública e do crime organizado no Brasil, com profundidade e clareza! Neste capítulo, em sequência aos questionamentos sobre a expansão de facções criminosas no Brasil, miramos a relação entre o sistema prisional e o fortalecimento dessas organizações, o papel da tecnologia nesse processo e, principalmente, o impacto devastador do crime organizado nas comunidades mais vulneráveis e na juventude. Esta é mais uma oportunidade de entender melhor como história, sociedade e segurança pública estão interligadas.

Retornando à trilha, Joel; um tema muito discutido é o papel do sistema prisional na consolidação e expansão do crime organizado. Como você analisa essa relação e quais seriam caminhos possíveis para minimizar esse efeito?

Joel Paviotti:

De fato, o sistema prisional é bastante impactante para o nascimento das organizações criminosas, para a expansão das organizações criminosas, para a consolidação das organizações criminosas e para várias metamorfoses que as organizações criminosas sofrem ao longo desses anos. Primeiro, a falta de dignidade, de respeito ao direito dos presos dentro dessas cadeias do sistema penitenciário faz com que as organizações consigam cooptar de forma muito mais fácil esses internos, essas pessoas que estão presas, privadas de liberdade. Porque como o Estado não organiza a vida dessas pessoas ali dentro, não dá uma política decente para que essas pessoas possam cumprir pena, essas pessoas precisam se organizar de uma certa maneira e as organizações criminosas passam a gerenciar o cumprimento de pena dessa pessoa. Veja; “você está entrando agora na cadeia, você não vai morrer por qualquer coisa aqui, porque aqui é organizado. Respeite essas regras que nós vamos colocar para você, que você não vai morrer”. “Se você vai para o mundo do crime, seja um faccionado que o seu status é maior e você tem uma possibilidade dentro da carreira criminosa de ganhar mais dinheiro!” Sistemas penitenciários estaduais é basicamente essa lógica! As organizações organizam o ambiente da cadeia e tem uma capacidade alta de cooptação, porque elas são o poder dentro das cadeias. No Sistema Penitenciário Federal, que abriga os líderes, é um sistema extremamente fechado, muito bem vigiado! Pouca coisa consegue escapar dali de dentro que não sejam pequenas ordens e pequenos recados e, ao instalar esses presos, lideranças das organizações durante muito tempo ali, você tem uma espécie de desorganização dessas organizações. A coleira parece que afrouxa um pouco, e aí você tem uma briga de interesses na parte de baixo da pirâmide, o que vai acarretar, por exemplo, essas violências que estão acontecendo por motivos fúteis, do cara fazer um sinal com as mãos, um símbolo com as mãos, e o cara acabar morrendo porque os grandes chefes ou estão nas penitenciárias federais, ou eles foram para o atacado, que dá muito mais dinheiro, deixando a molecada mais violenta no varejo! E essa é uma dinâmica importante para a gente conseguir entender o que está acontecendo. Então, os impactos da cadeia e do sistema penitenciário, seja dentro dele, nos estaduais, com a falta de organização e a falta de ambiente digno, ou seja do Sistema Penitenciário Federal com a alta vigilância e enclausuramento dos chefes, causam impactos significativos na organização dessas facções e, obviamente, que causam impacto também social bastante grande!

Washington Clark dos Santos:

Com o avanço da tecnologia, como as organizações criminosas têm utilizado recursos tecnológicos para expandir suas operações e diversificar suas atividades? Entendes que as forças de lei estão tecnologicamente preparadas para neutralizá-las?

Joel Paviotti:

Aqui, eu acho que a gente precisa falar um pouco sobre tecnologias que têm sido usadas tanto na área bélica, patrocinada por essas facções criminosas, quanto na área logística e financeira. Vamos primeiro falar da área bélica: as facções criminosas, com o dinheiro do tráfico de drogas, principalmente as duas maiores, aqui do Rio de Janeiro e de São Paulo, que têm conseguido arrecadar muita grana, têm conseguido comprar armas cada vez mais tecnológicas e equipamentos de guerra mesmo, muito sofisticados! Para vocês terem uma noção, já teve casos no Rio de Janeiro de drones que lançam granadas, do uso de drone para vigiar comunidades para saber quando a polícia está chegando, máscaras com óculos infravermelho, sensoriamento remoto e várias outras tecnologias que servem para ajudar a constituir e a manter um território, por exemplo, no caso do Rio de Janeiro, do Ceará, da Paraíba, que têm um modelo mais de franquia de ocupação e de controle ostensivo do território! Então, a tecnologia bélica tem sido uma tecnologia bastante importante para essas organizações que têm um controle maior do território, um controle mais patente, mais ostensivo, ou seja; aparecem mais, precisam fazer um controle territorial mais forte, precisam demonstrar poder e, aí, muitas estratégias vão sendo construídas com o uso de tecnologia! Vamos falar agora da parte logística e da parte financeira: as tecnologias vão sendo usadas também para garantir a logística. Bloqueadores de rastreamento de radares, barcos de alta velocidade, mas, sobretudo, tirando a logística de lado, a tecnologia da logística, nós temos a tecnologia financeira que possibilita a legalização do dinheiro conseguido com atividades criminosas: compra de criptomoedas, arbitragem de criptomoedas, uso de fintechs, sistemas complexos de lavagem de dinheiro, manipulação financeira, sistemas de apostas, uso de redes sociais, cooptação de influencers através do sistema de tecnologia das redes sociais, uso de sistemas fechados de comunicação! Todas essas tecnologias, sejam elas tecnologias ligadas à parte financeira, sejam elas tecnologias ligadas à parte bélica, sejam elas tecnologias ligadas à parte de logística, contribuem muito para que as organizações criminosas cresçam e ampliem a área de atuação dos seus negócios! E quando eu estou falando de áreas de atuação, eu não estou falando só de expansão territorial, mas de expansão de influência e de poder! Vocês vão ver, nós vamos viver isso, cada vez mais, de bancos internacionais envolvidos com organizações criminosas, offshores, paraísos fiscais, sites de apostas, sistemas de informação, redes de informação. O PCC, por exemplo, vive um período de infiltração. É uma fase que nós chamamos de infiltração no sistema! Então, lobbies políticos vão ser feitos, empresários famosos vão ter ligações com o Primeiro Comando da Capital ou com outras organizações, tecnologias complexas serão patrocinadas! O PCC entrará em tecnologias complexas que ainda não têm um domínio de como verificar ou rastrear dinheiro que é investido nessas tecnologias! Ninguém sabe como funcionam muito bem as tecnologias de pagamento em fintechs ou pagamento por criptomoedas! Então, isso também é aproveitado pelas organizações criminosas para esconder seu dinheiro e para crescer o seu patrimônio. As forças públicas têm corrido para tentar neutralizar esses usos tecnológicos mais complexos. O próprio crime de lavagem de dinheiro usa muita tecnologia, é muito complexo! As polícias estaduais têm corrido muito atrás, mas a passos muito lentos! A Polícia Federal tem uma atuação histórica maior nessas questões mas, enquanto o aparato burocrático do Estado é bastante demorado e lento - as licitações são demoradas, as decisões são demoradas, o processo burocrático é demorado -, as organizações criminosas não têm essa burocracia tão grande! São mais rápidas! Elas têm uma capacidade de mudança maior, de metamorfose maior! E essa capacidade faz com que talvez essas facções estejam à frente, sempre em um ou dois passos, do aparato estatal policial!

Washington Clark dos Santos:

Considerando o impacto direto da expansão do crime organizado nas comunidades mais vulneráveis e na juventude, quais medidas você acredita que poderiam ser adotadas para proteger essas populações e oferecer alternativas reais que rompam o ciclo de violência e coaptação?

Joel Paviotti:

Sem dúvida alguma, a juventude tem sido muito impactada com toda essa dinâmica das organizações criminosas! Os grandes chefes do crime, que organizavam as sistemáticas internas das facções, ou pularam para o atacado, que dá muito mais dinheiro, ou estão aprisionados no Sistema Penitenciário Federal, em cadeias de segurança máxima, que é muito bem vigiado, inclusive! Esses fatores deixaram o varejo nas mãos de jovens com ímpeto muito mais violento e sem capacidade de organização, porque ainda são muito novos na caminhada do crime! Esses fatores têm gerado inúmeras polêmicas e mortes fúteis, como aquelas execuções de jovens que não têm necessariamente envolvimento com o crime, mas fizeram, sei lá, sinais de faccionados ou símbolos de faccionados e esses faccionados observaram esses símbolos e não gostaram, atribuindo esses símbolos a grupos rivais. Criou-se meio que uma neurose, um medo de perder esses territórios, que essas pessoas mais jovens não conseguem gerenciar sem o uso desorganizado da violência! Eu acredito, mas com a crença bastante pessimista no que tange à realização, que o Estado precisa estar mais presente tanto na coação desses grupos, na ressocialização dos jovens faccionados, mas também dando condição para que os outros jovens não sejam recrutados em territórios dominados por essas organizações. No Rio de Janeiro, quando está em guerra e uma facção está tentando invadir o território de outra facção, as pessoas não podem descer para trabalhar, os jovens não podem estudar, os jovens não têm condições de sair para ir para uma faculdade, para ir para o próprio trabalho! Muitas vezes, quando trocam uma facção, muitos jovens que eram amigos dos traficantes ou cresceram juntos, são mortos! Eles são expulsos das comunidades, dos territórios em que a outra facção entra! Então, eles acabam ficando reféns! Uma parte importante dessa juventude pensa na possibilidade de talvez se faccionar e a outra parte vê tudo isso sem perspectiva ou com pouca perspectiva! Se o Estado não adentrar e não promover políticas públicas que possam trazer esse jovem para um ambiente menos violento e para um ambiente que exista uma expectativa, uma perspectiva de futuro, uma perspectiva de um futuro honesto, que você possa construir uma família, suas coisas, ter seus bens, ter harmonia, fica muito difícil de conter o aumento das organizações criminosas, as mortes de jovens - porque a maioria das pessoas que morrem nessas guerras são jovens - vai ser muito difícil que você consiga criar e constituir uma juventude saudável, em seus mais diversos aspectos, principalmente nas áreas controladas por facções criminosas!

Washington Clark dos Santos:

Caminhando para o final de nossa conversa, meu caro, agradeço penhoradamente por você ter aceitado participar deste conteúdo! Deixo este espaço para suas considerações finais. Grande abraço!

Joel Paviotti:

Eu não me sinto bem ao ter o prazer de cobrir pesquisas de facções criminosas e as suas demandas, mas, infelizmente, essa cobertura é necessária até para levar para as pessoas, para que elas conheçam o que está acontecendo, o que está impactando a vida delas, no que se refere a organizações criminosas e a atuação delas no nosso país. O Brasil, sem dúvida alguma, passa por uma crise de segurança pública há muitos anos e sem prazo para terminar ao menos, sem prazo nem para arrefecer essa crise! Eu acredito que essa crise seja um problema que emana nas questões estruturais do país. Questões que fomentam um país tão desigual quanto o Brasil e garantem que uma parte da população só ouça falar das facções, enquanto uma outra parte gigantesca, mais pobre, tem que conviver em territórios dominados por um poder paralelo! Esse é o Brasil, que se divide entre uma pequena elite que goza de privilégios inacabáveis e uma massa gigantesca de trabalhadores que apenas sobrevivem em péssimas condições! O Brasil nega uma palavra chamada dignidade ao próprio povo! Como a gente vai se livrar da violência sistemática e da insegurança que tomam as ruas, lares e mentes das pessoas sem garantir os seus direitos básicos, que é o direito a viver com qualidade de vida, com seus direitos respeitados, com dignidade e, sobretudo, com a sensação de segurança?

Fica a pergunta! Obrigado pelo convite, Clark, pela participação! Espero que vocês tenham conseguido entender e eu espero que vocês, do podcast Hextramuros, consigam produzir cada vez mais e melhor! E contem com a gente sempre! Forte abraço! Se possível, siga a gente lá nas minhas redes sociais: #joelpaviotti! Sempre estou atualizando e o canal no YouTube; “Iconografia da História”. Fui e valeu! Até uma próxima!

Washington Clark dos Santos:

Honoráveis Ouvintes! Este foi mais um episódio do Hextramuros! Sou Washington Clark dos Santos, seu anfitrião! Neste conteúdo, concluo a entrevista com Joel Paviotti, pesquisador e criador do canal no YouTube Iconografia da História, abordando sobre as origens e dinâmicas da expansão do crime organizado no Brasil. Acesse nosso website, saiba muito mais em nossos links de pesquisa e compartilhe nosso propósito! Será um prazer ter a sua colaboração! Pela sua audiência, muito obrigado e até a próxima!

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About the Podcast

Hextramuros Podcast
Vozes conectando propósitos, valores e soluções.
Ambiente para narrativas, diálogos e entrevistas com operadores, pensadores e gestores de instituições de segurança pública, no intuito de estabelecer e/ou ampliar a conexão com os fornecedores de soluções, produtos e serviços direcionados à área.
Trata-se, também, de espaço em que este subscritor, lastreado na vivência profissional e experiência amealhada nas jornadas no serviço público, busca conduzir (re)encontros, promover ideias e construir cenários para a aproximação entre a academia, a indústria e as forças de segurança.

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Washington Clark Santos

Produtor e Anfitrião.
Foi servidor público do estado de Minas Gerais entre 1984 e 1988, atuando como Soldado da Polícia Militar e Detetive da Polícia Civil.
Como Agente de Polícia Federal, foi lotado no Mato Grosso e em Minas Gerais, entre 1988 e 2005, ano em que tomou posse como Delegado de Polícia Federal, cargo no qual foi lotado em Mato Grosso - DELINST -, Distrito Federal - SEEC/ANP -, e MG.
Cedido ao Ministério da Justiça, foi Diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande/MS, de 2009 a 2011, Coordenador Geral de Inteligência Penitenciária, do Sistema Penitenciário Federal, de 2011 a 2013.
Atuou como Coordenador Geral de Tecnologia da Informação da PF, entre 2013 e 2015, ano em que retornou para a Superintendência Regional em Minas Gerais, se aposentando em fevereiro de 2016. No mesmo ano, iniciou jornada na Subsecretaria de Segurança Prisional, na SEAP/MG, onde permaneceu até janeiro de 2019, ano em que assumiu a Diretoria de Inteligência Penitenciária do DEPEN/MJSP. De novembro de 2020 a setembro de 2022, cumpriu missão na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no Ministério da Economia e, posteriormente, no Ministério do Trabalho e Previdência.
A partir de janeiro de 2023, atua na iniciativa privada, como consultor e assessor empresarial, nos segmentos de Inteligência, Segurança Pública e Tecnologia.